Começou em 2015 na Câmara dos Deputados, onde foi aprovada em fevereiro de 2022 com 347 votos - e apenas 126 contrários. Agora está no Senado Federal, onde houve uma audiência pública em 27 de maio para debater a matéria. Estou me referindo à PEC 3/2022, que altera o texto da Constituição Federal para, dentre outras coisas, permitir a transferência, de modo oneroso, das áreas definidas como terrenos de marinha e seus acrescidos "ao domínio pleno dos foreiros e dos ocupantes regularmente inscritos no órgão de gestão do patrimônio da União até a data de publicação desta Emenda Constitucional" e "dos ocupantes não inscritos, desde que a ocupação tenha ocorrido pelo menos 5 (cinco) anos antes da data de publicação desta Emenda Constitucional e seja formalmente comprovada a boa-fé". O juridiquês parece complicado mas, em essência, um particular poderá comprar faixas de praia em todo o extenso litoral brasileiro.
Isso é um perigo e um absurdo. Um absurdo pois escancara uma das mazelas da nação: a privatização do bem público em detrimento dos interesses da maioria da população. Particulares poderão cercar terrenos e dificultar o acesso do cidadão às faixas de areia das praias e ao mar pois passarão a cobrar ingresso e serviços. E um perigo porque, na contramão de tudo para o que se vem alertando, traz uma série de riscos ambientais importantes.
Para começo de conversa, expõe ecossistemas extremamente sensíveis presentes em nosso litoral como manguezais, restingas e campos de dunas. Toda a biodiversidade que faz desses lugares seu habitat poderá vir a ser seriamente afetada. Também é capaz de acelerar processos de erosão costeira, com danos talvez irreversíveis, o que hoje já é um fenômeno preocupante, inclusive, no Ceará. E as populações tradicionais que vivem nesses espaços podem ser atingidas em seu modo de vida e ver comprometida sua fonte de sustento.
É certo que o texto permite a transferência de domínio também para Estados e Municípios. Mas isso é uma cortina de fumaça tóxica lançada sobre a cidadania brasileira, porque é o poder econômico, aliado ao político, que irá se servir de um futuro leilão de praias. Com uma ligeira modificação, temos a materialização do refrão de uma canção de uma conhecida banda de rock dos anos 80: agora nós vamos comprar sua praia!