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Sarah Suzye Oliveira de Melo: A favor da vida, mas não a da vítima
Opinião

Sarah Suzye Oliveira de Melo: A favor da vida, mas não a da vítima

O pretexto alegado no debate é a proteção à vida "da criança" (referindo-se ao feto). Ao que parece, a combatividade do legislativo não se volta para os dados assombrosos acerca das crianças que gestam: nos últimos dez anos, a média de partos de meninas abaixo de 14 anos foi de mais de 20 mil por ano
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Sarah Suzye Oliveira De Melo

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Talvez a maioria dos leitores se recorde do programa de televisão "Você Decide", que fez sucesso na TV Globo nos anos 1990. Cada desfecho era decidido pelos telespectadores, via telefone. Em abril/1998, foi ao ar a história de Mariana, jovem religiosa, grávida por consequência de um estupro. Diante da controvérsia, o público foi chamado a decidir se a personagem abortaria ou não. Ao final, a vontade de 68% da audiência, foi de que, sim, ela deveria abortar.

Hoje, o que está em pauta no legislativo brasileiro - nas mãos do povo - é o perverso Projeto de Lei nº 1904/24, que pretende equiparar o aborto ao homicídio, se constatada viabilidade fetal (presumida após 22 semanas de gestação), inclusive às vítimas de estupro, que, por ora, têm a garantia legal da realização do aborto, desde que com ele consintam.

O pretexto alegado no debate é a proteção à vida "da criança" (referindo-se ao feto). Ao que parece, a combatividade do legislativo não se volta para os dados assombrosos acerca das crianças que gestam: nos últimos dez anos, a média de partos de meninas abaixo de 14 anos foi de mais de 20 mil por ano. Em 2022, o número de estupros registrados chegou a 74.930. A cada dez vítimas, seis têm de 0-13 anos de idade. A estimativa dos números totais de estupro (Atlas da Violência) é bem pior: 822 mil casos de estupro/ano no Brasil. Em contraste, o total de abortos legais realizados no país em 2023 são meros 2.687.

É um erro pensar que vítimas adiam o procedimento por mera teimosia. A própria identificação da gestação demora se a violência sexual vem de dentro de casa, não raro sob graves ameaças. Como se não bastasse, a burocracia e o acesso limitado resultam em revitimização, humilhação e mais violência.

Ao invés de cravar o teto da idade gestacional, deveríamos questionar o porquê da demora.

O PL 1904/2024 é vil. Enquanto o sistema falha com a vítima desde a base, o projeto pretende pôr a responsabilidade da morosidade sobre ela.

Resta saber se o telespectador vai permitir que a catástrofe espiral, gerada pelo Estado, condene vítimas ao invés de agressores.

Você decide. n

 

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