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Nagibe Melo: Fertilização in vitro, aborto e o viés
Opinião

Nagibe Melo: Fertilização in vitro, aborto e o viés

Estupro é estupro. Aborto não é homicídio. Embriões não são fetos. Fetos não vivem independente dos corpos das mulheres. Políticas públicas não deveriam ser pautadas por preceitos religiosos de quaisquer espécies
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Nagibe Melo

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A fertilização in vitro (FIV) é uma prática bem disseminada no Brasil. Em 2023 foram realizados mais de 56 mil ciclos de FIV no país, segundo dados da Anvisa. O procedimento consiste em fecundar os óvulos em laboratório e, depois, transferir os embriões para o útero da mulher receptora. O número total de embriões formados na fertilização in vitro é quase sempre maior que o número de embriões transferidos.

Os embriões excedentes são congelados por tempo indeterminado e poderiam, pelo menos potencialmente, um dia virem a ser um feto, depois um bebê e, então um homem ou uma mulher, mas a maioria deles permanece congelada por muitos anos, são embriões abandonados. Uma resolução do Conselho Federal de Medicina permitia o descarte de embriões congelados há mais de três anos, desde que houvesse o consentimento expresso dos doadores e autorização judicial. A Lei brasileira admite inclusive que esses embriões sejam usados em pesquisas.

Segundo dados do Sistema Nacional de Produção de Embriões - SisEmbrio, entre 2020 e 2023, mais de 400 mil embriões foram congelados no país, grande parte deles um dia será descartada ou usada em pesquisas científicas. Os embriões descartados e os utilizados em pesquisas nunca se tornarão pessoas. Quando penso nesses embriões abandonados, o desconforto é inevitável. Parece claro, contudo, que embriões não são fetos, que não são pessoas.

As mulheres ricas pagam de 10 a 25 mil reais por um ciclo de fertilização in vitro, além da taxa de manutenção dos embriões congelados. As mulheres pobres não têm acesso ao serviço de aborto nos casos previstos em lei, nem podem custear métodos contraceptivos, tudo fica ainda mais difícil quando se trata de meninas pobres.

Isso dá uma boa noção do tamanho do viés, politização e fundamentalismo tacanho nas discussões sobre o aborto. Estupro é estupro. Aborto não é homicídio. Embriões não são fetos. Fetos não vivem independente dos corpos das mulheres. Políticas públicas não deveriam ser pautadas por preceitos religiosos de quaisquer espécies.

 

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