Logo O POVO+
Sobre a necessária separação entre religião e Estado
Opinião

Sobre a necessária separação entre religião e Estado

Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Américo Souza, historiador, professor da Unilab (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Américo Souza, historiador, professor da Unilab

13 de junho é muito conhecido entre nós por ser o dia dedicado a St.º Antônio, ou por ser o dia da segunda aparição de Nossa Senhora, em Fátima, em 1917. O 13 de junho demarca, contudo, outro fato importante para quem tem fé. Foi nesse dia, no ano de 313, que Constantino, imperador romano do ocidente e Licínio, imperador romano do oriente, promulgaram o Édito de Milão, que estabelecia o direito à liberdade de crença nos dois Impérios e, mais importante, determinava a neutralidade do Estado em assuntos de religião. Isso deu ao cristianismo e a todas as religiões praticadas nos impérios o estatuto de legitimidade, pondo fim à cruel perseguição imposta aos cristãos pelo imperador Diocleciano, dez anos antes.

O Édito de Milão reconhece (por óbvio) que a adoção, ou não, de uma fé é escolha de consciência de cada um e que para exercê-la (escolha) é preciso ter plena garantia da não interferência do poder público.

A neutralidade do Estado frente a religião é uma das mais importantes e necessárias conquistas do processo civilizatório, replicada e protegida nas mais longevas e sólidas democracias do mundo.

Todas as vezes em que essa conquista foi subvertida e o Estado assumiu um lado, a favor ou contra uma crença específica, resultou em sofrimento e injustiça. Por isso é estarrecedor que, mais de 1.700 anos depois do Édito de Milão, o Congresso Nacional do Brasil esteja, em nome de uma tendência muito específica e fundamentalista do cristianismo, tentando transmutar o direito ao aborto de mulheres vítimas de violência sexual em crime hediondo, punido com o máximo rigor. É momento de lembrar aos congressistas das importantes advertências feitas pelo filósofo alemão Immanuel Kant, no séc. XVIII, segundo as quais o Estado deve se relacionar com a religião sob os princípios da não-coercitividade e da incompatibilidade de uma máxima religiosa servir de fundamento da ação estatal, pois a tutela religiosa em assuntos públicos, segundo ele "é a mais prejudicial e, também, a mais desonrosa". Em tempo: não se trata de negar a importância da religião para sociedade, nem o necessário diálogo que com ela deve ter a política (Kant era um homem de fé, por isso, após sua morte foi sepultado numa catedral luterana), mas de entender e defender a necessária imparcialidade do Estado. n

O que você achou desse conteúdo?