Um dos temas que mais sofrem distorção no grande bate-boca das redes sociais diz respeito ao funcionamento da sistemática das prisões no Brasil. Nessa toada, o poder judiciário é alvo de reiterados ataques, motivados por uma suposta leniência da Justiça com a criminalidade. Isso acontece sobretudo quando é concedida a liberdade ou quando não é decretada a imediata prisão dos envolvidos em crimes de grande repercussão. Contudo, tal percepção amiúde consiste em equívoco do senso-comum, lastreado na compreensível falta de conhecimento sobre um assunto que, afinal, é de cunho técnico.
O ponto central a ser elucidado é que toda e qualquer medida de restrição de direitos decretada pela Justiça antes de uma condenação definitiva, isto é, antes de uma sentença contra a qual não caiba mais recurso, não possui caráter sancionatório. Isso decorre do princípio da presunção de inocência, insculpido em nossa Constituição: "ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória".
Ao Estado só é permitido punir alguém após o fim do processo penal, caso haja condenação. Antes disso, ele até pode, entre outras medidas, restringir a liberdade do indivíduo por meio de prisão, que pode ser de três tipos: em flagrante, que dura até a audiência de custódia; temporária, com duração de cinco dias e preventiva, sem prazo determinado. Ocorre que essa restrição da liberdade tem caráter cautelar, servindo a finalidades funcionais: preservação da ordem pública, da ordem econômica, da investigação ou do processo. Mas, frise-se, neste momento o suposto autor do crime ainda preserva sua inocência, nos termos da lei.
Por isso, o uso da palavra "impunidade" nesse contexto é, mais do que prematuro, equivocado. O fato de a Justiça optar por prender ou não naquele momento se relaciona com a necessidade de manter ou não o acusado encarcerado durante o curso do processo. Nem sempre a prisão processual se faz necessária, mesmo diante de crimes graves. Trata-se de medida excepcional, que não pode ser usada para antecipação da pena ou para satisfação da sanha popular.