O prenúncio da vitória em segundo turno de um partido fundado por nazistas transtorna a vida política francesa e europeia: onde estará o país dos direitos humanos? Como é possível o racismo aberto ganhar a eleição na pátria da Liberdade, da Igualdade e da Fraternidade?
O fato de escolher ser governado por totalitários revela que o mantra do Iluminismo estava embebido da lógica mercantil: a liberdade e a igualdade sempre foram mediados pela mão invisível do mercado, não em preceitos realmente humanos.
Agora que uma crise de qualidade nova amadurece, com a impossibilidade de os Estados darem conta das várias disfunções no seio de sociedades que já não andam bem das pernas, o arcaico mecanismo da projeção dos males do mundo em bodes expiatórios parece o remédio dos sujeitos herdeiros do racionalismo moderno em frangalhos.
Aqui, a recessão era culpa da mamata de artistas e dos beneficiários do bolsa família, dos políticos corruptos e dos índios que atrapalham preservando terras cheias de riqueza; lá, a culpa é dos imigrantes, invasores árabes e negros que vêm operar o "grand remplacement" da população francesa branca e católica.
Tudo isso regado a grupos de zap pró-extrema direita, inclusive entre as polícias. No caso da França, o Estado gastaria mais com imigrantes do que com os "franceses". Lá, como aqui, o mundo do agronegócio investe na regressão, pois também são contra regulamentações ambientais. Para os agronegociadores franceses, a interdição, por exemplo, de agrotóxicos, é nociva à concorrência, não à vida, já que países como Brasil usam esses produtos.
Lá e aqui, o mesmo papel do espetáculo, televisivo e de redes sociais, em criar um clima ansiógeno e de pavor, como se as pessoas tivessem seu país roubado pelo invasor externo. Lá e aqui, o mesmo sujeito narcísico que não aceita que a sociedade mercantil não lhe dê o que prometera: uma vida tranquila, branca e equipada.
Já a esquerda se limita a culpar os ricos pela marcha do mundo. Este sujeito, ao não apreender criticamente que o problema está na própria organização social, adere à regressão da projeção como resposta rápida e irrefletida
à sua angústia.
Perante a banalidade do mal, urge puxar o freio de emergência da locomotiva da história. n