Logo O POVO+
Entre a direita de Jordan Peterson e o extremismo de Olavo de Carvalho
Opinião

Entre a direita de Jordan Peterson e o extremismo de Olavo de Carvalho

Edição Impressa
Tipo Notícia

Fazer qualquer comparação é uma tarefa e tanto. No último fim de semana, li um artigo publicado num jornal nacional que se propunha a mostrar como o psicólogo canadense Jordan B. Peterson está substituindo o astrólogo Olavo de Carvalho entre os adeptos da extrema direita em geral e os bolsonaristas, em particular. O texto se esforça em expor as semelhanças: usar referências bíblicas é uma, questionar o identitarismo é outra.

Usar o texto bíblico num processo que os teóricos chamam de intertextualidade é algo muito usual em diversos autores. "Mimesis", de Erich Auerbach é um clássico para os estudos literários, em nível de mestrado e doutorado em muitas universidades do país. Auerbach lança mão das narrativas do sacrifício de Isaque, de Adão e Eva, de um João Batista decapitado, ao lado de outros textos clássicos, para compor sua teoria da criação literária ocidental.

Machado de Assis era leitor assíduo da Bíblia. O escritor mineiro Paulo Mendes Campos escreveu o ensaio "Cântico dos Cânticos", indispensável pela forma, sobre a interpretação secular do livro, cuja tradição é salomônica. O economista Eduardo Gianetti em "Autoengano" explora o caso de Davi bíblico e sua estratégia para se apropriar da mulher de Urias, Bate Seba, por quem se apaixona loucamente.

Ou seja, não é possível tomar todas essas pessoas, exceto Machado, como sendo de extrema-direita ou nazistas ou fascistas só por usar relatos bíblicos na composição de seus textos. Críticas embasadas ao identitarismo são mais do que legítimas. A historiadora e psicanalista francesa Elisabeth Roudinesco escreveu "Eu Soberano" criticando os excessos identitários, foi taxada de "mulher branca ressentida", mas cumpriu seu papel intelectual. "A esquerda não é woke", da filósofa Susan Neiman também encara a tarefa. Nenhuma delas é de direita.

Dito isso, vamos a Jordan B. Peterson, este sim, de direita, mas que passa longe do astrólogo Olavo de Carvalho. Concordo que é incompreensível Peterson apoiar, embora sem o estardalhaço olavista, um homem como Donald Trump, ou simpatizar, no Brasil, com o bolsonarismo. No entanto, é possível dizer que ele compõe uma direita ilustrada.

E para terminar, eu li o livro "12 regras para a vida", de Peterson. E não gostei de muitas coisas desta obra, porque ele parte do pressuposto de que é tudo é uma questão de escolha pessoal e adota o discurso neoliberal do sucesso como meta única do humano. Questiono esse tipo de discurso meritocrata ordinário que a extrema direita adora.

No entanto, é bom não misturar as coisas. Peterson entende muito bem um homem contemporâneo, enquanto Olavo de Carvalho defendia um retorno ao medieval. Observe a opinião de Camille Paglia sobre o canadense: "Peterson é o mais influente pensador canadense desde Marshall McLuhan", e afirma que ele criou "um modelo acadêmico genuinamente humanístico do futuro" ao unir a psicologia, a antropologia, a ciência, a política. Paglia está longe de militar na direita.

Ou seja, bolsonarista de verdade não vai adotar Peterson como guru. E quem o fizer terá de ler um pouco mais. Ao pretender fazer comparações com Olavo de Carvalho, da mesma forma, há de recorrer a mais leituras. n

O que você achou desse conteúdo?