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Manfredo Araújo de Oliveira: Ética da integração universal
Opinião

Manfredo Araújo de Oliveira: Ética da integração universal

Está em jogo, na práxis humana, a efetivação da comunhão universal, dos seres humanos entre si e dos seres humanos com a natureza, ou seja, a complexa teia de conexões que vincula seres vivos e não vivos
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MANFREDO ARAÚJO DE OLIVEIRA

Articulista

A ética da modernidade é, em seu cerne, uma "ética antropocêntrica": o ser humano, enquanto instância doadora de sentido a tudo, ordena tudo a si como o centro da realidade e é nele e a partir dele que os imperativos éticos se justificam. A natureza se transforma, nesta ótica, "exclusivamente" num meio para a satisfação das carências humanas, num instrumento de efetivação de seus desejos, numa fonte de lucro, o que conduz à sua sistemática dominação e destruição. O pensamento ecológico nos abre outra perspectiva para uma teoria ética que nos torna capazes de articular outro projeto de civilização.

Toda e qualquer realidade constitui uma forma própria de ser a partir de onde se estabelecem seu lugar no universo e o parâmetro, daí decorrente, do desenvolvimento de suas potencialidades. É neste sentido que se pode dizer que cada entidade possui um valor e estes valores, interligados entre si, constituem o domínio dos valores no universo. Desta forma, a ética não é mais simplesmente uma ética que se articula a partir do sujeito humano, mas uma "ética ontológica": o princípio fundamental da ética estabelece que as ações são boas na medida em que se radicam em valores de que tudo é portador em sua forma básica de ser e neste sentido não entram em contradição, em última instância, com a totalidade da realidade, com o universo.

Desta forma, a ética não pode limitar-se a uma teoria da sobrevivência do indivíduo, mas é, em última instância, uma "teoria da harmonia" do indivíduo com todos os outros seres humanos e com a natureza. Assim, a existência fática de pessoas que têm sua dignidade ameaçada ou desrespeitada quebra esta consonância. Daqui se compreende que o apelo ético do pobre é um apelo pessoal, mas também ético-político, porque se trata de uma situação histórica desafiadora.

Numa palavra, trata-se de um processo de construção comum de outro modelo de configuração da vida individual e social, de outro modelo de produção e de consumo radicado nos valores da cooperação, da integração e da interconexão entre todos os seres, humanos e não-humanos. Isto implica restaurar a conexão rompida com a natureza pela destruição sistemática da fauna e da flora, de sua rica biodiversidade, e os laços rompidos entre as pessoas a fim de restabelecer a relação de reconhecimento universal. Está em jogo, na práxis humana, a efetivação da comunhão universal, dos seres humanos entre si e dos seres humanos com a natureza, ou seja, a complexa teia de conexões que vincula seres vivos e não vivos.

A natureza, por sua constituição ontológica própria, possui valores que não devem ser supressos sem razão e só o podem ser em função da vida humana, que é valor maior. Assim, um consumo excessivo e supérfluo é destituído de qualquer legitimação racional. Isto vai exigir uma revisão radical do estilo de vida vigente, o que implica a liberação do excesso de bens materiais tornando possível uma harmonização com as futuras gerações e com os ritmos da natureza. n

 

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