Diz-se que a Democracia - a exemplo da Justiça e outros valores transcendentes da sociedade - não tem preço.
Tal asserção, contudo, é meramente figurativa: apenas os repasses públicos aos fundos eleitoral e partidário em 2024 ultrapassarão a casa dos 6 bilhões de reais. Tais recursos serão alocados e dispendidos com alto grau de liberdade pelos partidos políticos e candidatos, sujeitos a posterior prestação de contas perante a Justiça Eleitoral.
Parece-nos legítima a opção legislativa de estabelecer um modelo prioritariamente público de financiamento das eleições e do próprio funcionamento dos partidos políticos. Há, contudo, que se estabelecer um limite razoável para tais gastos e uma rigorosa fiscalização da proba destinação dos recursos. A previsão do fundo eleitoral para as eleições municipais de 2024 já iguala o previsto para o pleito de 2022, quando estavam em disputa a presidência da república, os governos estaduais e as vagas nos parlamentos estaduais e federal.
Não é aceitável e não há espaço orçamentário para a contínua elevação desses valores, de onde se conclui ser urgente a contenção dos gastos eleitorais. Considerada a cultura brasileira de alguma leniência para com a distribuição graciosa de dádivas e benesses em período eleitoral e a facilidade de ter à mão recursos generosos do tesouro com esse propósito, há risco de os fundos partidário e eleitoral funcionarem simplesmente como um instrumento de compra de apoio político e da consciência do eleitorado, no que seria uma refinada sofisticação da tradicional corrupção eleitoral. Uma compra de votos com recursos da União.
Por outro lado, o TRE do Amapá recentemente cassou o diploma de uma deputada federal condenada pelo gasto irregular de recursos do fundo eleitoral com procedimentos estéticos (harmonização facial) realizados na campanha eleitoral. Este o lado caricato - e também trágico - de um desvirtuamento que urge seja contido. Não é desarrazoado temer que o desvio desses recursos se torne mais uma das engenhosas formas de apropriação da coisa pública no Brasil.
Para além das importantíssimas questões relacionadas à probidade do dispêndio, preocupa, também, a enorme concentração de poder das cúpulas partidárias, que podem escolher, com graus variados de transparência, os critérios que nortearão a distribuição dos recursos entre os candidatos. Vedar o acesso de um candidato a esses recursos, equivale praticamente a barrar-lhe a possibilidade de eleição, em um contexto de bastante restrição do financiamento privado.
No outro extremo, a consequência pode ser a perpetuação dos candidatos apoiados pela burocracia partidária, dificultando a saudável renovação dos ocupantes dos cargos públicos e estabelecendo uma vantagem competitiva em benefício dos favoritos das lideranças partidárias. Compete a todos - Justiça Eleitoral, candidatos e eleitores - acompanhar e fiscalizar a utilização desses vultosos recursos. n