e fizermos um exercício de imaginação para criarmos a situação de uma pessoa idosa sendo acompanhada em seus cuidados, uma criança sendo alimentada, uma casa sendo varrida, é muito provável que a figura que exerce o cuidado no imaginário seja uma mulher. O dever de cuidado é mostrado como algo natural do gênero feminino. Nasceu mulher, está destinada a cuidar.
Esse debate, no entanto, não diz respeito apenas ao fazer, mas ao impacto desta obrigação convenientemente atribuída às mulheres, isso porque esse trabalho de cuidado possui um valor econômico, e, na maioria das vezes, não é pago, é invisibilizado e gera desigualdade de gênero.
Segundo pesquisa do IBGE, mulheres dedicam quase o dobro de horas em tarefas domésticas em relação aos homens no Ceará. Enquanto defensora pública de família tenho sentido o desespero das mulheres esgotadas em suas atividades cotidianas que envolvem o cuidado. São comuns situações em que mulheres choram pedindo que os pais convivam com seus filhos porque estão exaustas, enquanto o genitor segue a vida com limitadíssima convivência com sua prole, se convive, acreditando que as parcas horas de contato bastam para o exercício de uma parentalidade responsável.
O resultado da discrepância da quantidade de horas de trabalho doméstico não remunerado e invisibilizado realizado, do exercício das responsabilidades parentais exercidas de forma igualmente desproporcional, das mais diversas desigualdades e violências de gênero não poderia ser outra senão o comprometimento da saúde mental das mulheres, que, segundo relatório divulgado pela ONG Think Olga revelou que 45% das mulheres brasileiras têm um diagnóstico de ansiedade, depressão, síndrome do pânico ou algum outro transtorno mental, no contexto pós pandemia de Covid-19, quando a carga mental e física do trabalho doméstico foi mais evidenciada.
A matéria tem levado a entendimentos importantes perante os tribunais. Recentemente, aqui no Ceará, uma mulher foi absolvida do processo de tentativa de homicídio e usamos como tese de defesa o esgotamento emocional.
A mudança da cultura de desigualdade de gênero passa necessariamente por reconhecer, redistribuir e valorizar o trabalho de cuidado, entendendo como atividade comum que, quando não implementada de forma harmônica, deve ser entendida enquanto detentora de valor econômico, gerando necessariamente um dever de compensação.