Uma das minhas mais antigas memórias de infância, quando ainda era um moleque em uma residência paulistana da Vila Prudente, são imagens em preto e branco (e sons monofônicos de um aparelho televisor Philco) que resgatam um jovem Silvio Santos em um programa dominical na TV Globo, no início dos anos 1970.
Isso sempre me intrigou: por que uma dessas minhas memórias era com Silvio Santos? Nada há de racional nisso: a TV brasileira já havia produzido outros apresentadores (Chacrinha, Hebe Camargo, Flávio Cavalcanti, J. Silvestre).
Uma hipótese é de que talvez seu programa fazia parte da rotina habitual de um domingo em uma casa paulistana: acordar cedo para ir à feira, voltar, ligar a TV e deixá-la ligada até de noite no mesmo canal, no mesmo programa, e talvez depois ir dormir.
A posterior ida de Silvio Santos para a TV Tupi, em 1976, não mudou esse hábito (tanto que sua audiência aumentou).
Como pesquisador da área da Comunicação, parei para pensar: o que havia de diferente nele, em relação aos demais apresentadores, do ponto de vista comunicacional? Lembrei de um dos preceitos da área, de que todos se comunicam através de dois modos complementares: o que dizem e como dizem.
Em Retórica, esse "como dizem" seria um tipo de equivalente do ethos do orador, o qual pode adotar um tom de sensatez, sinceridade ou simpatia.
O que isso significa? Se Flávio Cavalcanti era "sincerão" e J. Silvestre era "sensato", Silvio Santos fez parte do universo televisivo da simpatia (com Hebe). Ele não brigava com as colegas de auditório ou com as imprevisíveis crianças do quadro "Domingo no Parque", nem dava conselhos sérios: pelo contrário, se ajoelhava, muitas vezes, para melhor ouvir as crianças, para melhor interagir com elas, para rir com elas (ou rir delas...).
Talvez isso explique porque muitos se lembram dele em situações assim, gerando memes e vídeos até hoje.
Mas a minha lembrança pode ser também apenas o trauma chateado de quem, quando criança, nunca esteve na cabine do foguete, com aquele ridículo fone de ouvido, para poder gritar "sim!" quando Silvio me perguntasse se eu trocaria um pião de madeira por um Autorama da Estrela...