Às seculares instituições inglesas devemos, em larga medida, o modelo ocidental de democracia que nos serve de paradigma. Churchill, contudo, já nos advertia de suas imperfeições ao afirmar ser ela a pior forma de governo com exceção de todas as outras conhecidas. Ruim com ela, pior sem ela, diríamos usando o conhecido adágio.
O sistema democrático é complexo e compreende a escolha de governantes e membros dos parlamentos, além da indireta opção entre alternativas diversas - e às vezes diametralmente contrapostas - de políticas públicas a executar. Escolhas têm consequências e nos afetam indistintamente, gostemos ou não delas.
Daí surge um pressuposto básico da democracia: a possibilidade de participação de todos no processo eleitoral e a aceitação de seu resultado com o consequente reconhecimento da legitimidade dos eleitos para exercerem os poderes de seus cargos e implementarem a sua agenda política.
Simplificando, pode-se dizer que os vencedores governam e os perdedores lhes fazem oposição, fiscalizando e apontando alternativas de caminho a seguir. Em poucos anos, tudo pode se inverter, e os papéis estarão trocados.
Na praxe parlamentar inglesa diz-se haver his majesty's government (o governo de sua majestade, em tradução literal) e his majesty's most loyal opposition (a mais leal oposição de sua majestade) a indicar os integrantes do maior partido de oposição ao governo no parlamento. A referência explícita à intrínseca lealdade da oposição já mostra a importância desse elemento político e os limites ao seu exercício na concepção do sistema parlamentar britânico. Estão todos, a seu modo, zelando pelos interesses superiores da nação.
Churchill, já veterano parlamentar, foi indagado por um jovem correligionário: quem são os nossos mais temíveis inimigos na bancada oposta? O ex-primeiro-ministro saiu-se com a espirituosa resposta: aqueles são nossos adversários, os inimigos estão aqui no nosso partido.
Embora a anedota diga muito sobre as renhidas lutas intrapartidárias, comuns também no Brasil, realça especialmente a visão do opositor como mero adversário, alguém que pensa diversamente mas com quem se convive no cotidiano da lida política e parlamentar.
Em algum momento nos afastamos desses valores. A política é hoje feita com ódio e violência. Rareia o respeito e a admiração pelos opositores.
Longe de ser uma característica da política brasileira, vemos também a sociedade norte-americana extremamente dividida: opositores são vistos como inimigos, não sendo descartada a alternativa de sua eliminação física.
Em meio a referências britânicas, relembro o Coronel Chico Heráclio, tido como o último grande coronel nordestino, senhor absoluto do agreste pernambucano. Ao morrer, nos conta Sebastião Nery em seu excelente livro de histórias do folclore político brasileiro, o coronel surpreendeu a todos com o pedido escrito de que seu caixão fosse levado ao túmulo conduzido exclusivamente pelos opositores políticos. Sinal de reverência do velho coronel aos adversários e lição de tolerância e de perdão.
Recordemos esses bons exemplos; que nos inspirem a tolerar a diversidade de ideias na temida arena do grupo de Whatsapp da família. n