Nos anos 1980, o saudoso Jô Soares, mestre da ironia, usava o humor sagaz no "Viva o Gordo" para provocar risos e reflexões sobre o cotidiano. Um de seus quadros trazia um exilado falando ao telefone com uma Madalena que lhe contava as novidades do Brasil e a quem o amigo respondia: "Les choses sont prêtes". Para o ouvinte atento, essa era uma alusão clara e irônica à expressão "a coisa tá preta", usada de forma pejorativa na época, hoje reconhecida como manifestação de racismo linguístico. O que antes passava despercebido ou visto como norma, agora é questionado e reformulado.
A sociedade se reconfigura e, malgrado o discutível "OK" da treinadora húngara Noémi Gelle, adota novas maneiras de expressar a riqueza da diversidade, especialmente em eventos como as Olimpíadas. Chegamos a 2024, e Paris mais uma vez é palco de transformações históricas. Os pódios se pintam de diversas cores, com atletas negros de várias nações erguendo suas medalhas: símbolos de vitórias contra um passado de silenciamento e marginalização.
Atletas como Rebecca Andrade e Simone Biles, Noah Lyles, Beatriz Souza, Isaquias Queiroz contribuíram para isso. Esse sucesso é uma poderosa afirmação de excelência e representação, anulando barreiras históricas e celebrando a diversidade no esporte global. Nunca na história da ginástica olímpica se viu um pódio formado somente por mulheres pretas. E "Les choses sont prêtes" pode ganhar um novo significado. Estamos prontos para ver, reconhecer e celebrar o sucesso que emerge de uma história de resistência e superação. Prontos para um mundo em que o mérito, a habilidade e a perseverança são as cores que brilham mais forte, não importa a origem ou o tom da pele.
As Olimpíadas são mais que um espetáculo esportivo; elas refletem nosso avanço como humanidade e anunciam que somos iguais e que devemos acolher todos os tons do arco-íris humano com respeito e honra. As medalhas no peito dos atletas simbolizam o que é possível fazer quando deixamos de herdar os ódios que não nos pertencem e construímos novas narrativas, onde todos têm espaço para brilhar.