A astrofísica norte-americana Arti Garg publicou um ponto de vista na revista científica Nature, conclamando cientistas e engenheiros a se envolverem com suas comunidades, e colaborarem com a formulação de políticas municipais. Como uma cientista que trabalha com engenharia aeroespacial poderia atuar em demandas locais como ondas de calor e surtos de doenças? Arti Garg traduz informações de artigos científicos frequentemente envelopados em matemática e estatística em conhecimentos que podem guiar gestores em suas decisões.
A capacidade das cidades brasileiras, principalmente as pequenas e médias, de planejar seu desenvolvimento e formular políticas exitosas é muito baixa. Essas lacunas podem - devem - ser contornadas com o engajamento das universidades e de seus pesquisadores nos desafios urbanos. A astrofísica advoga o trabalho voluntário de cientistas, engenheiros e matemáticos, o que é recomendável, mas não suficiente para a realidade das cidades brasileiras. Convênios formais devem ser celebrados entre prefeituras e universidades, para o desenvolvimento de políticas, a partir de diagnósticos das necessidades locais.
É uma obviedade que as cidades deveriam atrair cientistas para a resolução dos seus problemas, mas a intersecção entre as esferas política e técnico-científica não é automática. De um lado, não é incomum que prefeitos e seus secretários sejam refratários à críticas, e contrários a um exame mais detalhado de suas ações, ou da falta delas. Acadêmicos muitas vezes padecem de suprematismo da razão, uma atitude intelectualmente elitista e tola daqueles que em bom português se consideram os donos da verdade.
É importante saber ouvir. Dias atrás, eu e o biólogo Juan Pedro Ruiz, da Universidade Autônoma de Madri, ministramos uma palestra na cidade de Chapada, Rio Grande do Sul, sobre o papel da agricultura na superação da crise ambiental. Na plateia, agricultores, que argumentaram que os europeus destruíram suas florestas, e que portanto não possuem envergadura moral para recomendar que nós preservemos as nossas - Juan Pedro é espanhol. Um suprematista da razão talvez ignorasse o argumento, que, concordemos ou não, é legítimo. Nós preferimos fecundar o diálogo, demonstrando que a floresta preservada é um bônus, não um fardo ao agricultor - por exemplo, polinizando suas culturas. n