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Mariana Rebouças: Quando eu brincava de casinha
Opinião

Mariana Rebouças: Quando eu brincava de casinha

Lembrei de quando brincava de casinha quando passei no cruzamento entre a rua Ceará e a avenida Américo Barreira, na Parangaba. Entre o vai e vem dos carros, as paredes de lençois são a privacidade da família daquela casinha
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Mariana Rebouças

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Quando eu brincava de casinha, arrastava alguns itens de cozinha para montar a minha. Tampas de depósito viravam pratos, panelas muito velhas eram dispostas para fazer a comida de mentirinha porque não tinha o alimento de verdade para dar aos meus filhos de pelúcia. Eu matava a sede bebendo os copos cheios de vento e fingia comer com a mão por levar carão quando brincava com os talheres da 'casa de verdade'.

Quando eu brincava de casinha, as paredes frágeis eram feitas de cadeira e a minha privacidade era concedida pelos lençois pendurados sobre elas. Bastava um vento para que tudo viesse ao chão. O espaço limitado impedia que mais alguém viesse na minha casinha, por vezes eu gostava, em outras eu odiava. Eu queria ter o direito de receber alguma visita para tomar o delicioso chá invisível e o bolo confeitado de chocolate que só existia na minha imaginação.

Quando eu brincava de casinha, minha cama era o chão, que era junto com a cozinha e o banheiro. Não tinham produtos de limpeza e higiene, pois eram as coisas menos importantes frente a comer e ter um teto.

A única coisa que eu não gostava na minha casinha, era o momento da intervenção feita por mainha, informando que era hora da brincadeira acabar e a casinha teria de sair dali. Desmontava minha casinha, tirando lençol por lençol, as paredes de cadeira e recolhia os meus poucos móveis improvisados me deixando sem nada. Era hora de voltar pra casa de verdade, com comida de verdade, cama de verdade e um lar, seguro e amoroso.

Lembrei de quando brincava de casinha quando passei no cruzamento entre a rua Ceará e a avenida Américo Barreira, em um dos bairros mais movimentados de Fortaleza: a Parangaba. Entre o vai e vem dos carros, as paredes de lençois são a privacidade da família daquela casinha.

Não sei se os pratos e copos estão fartos ou se, assim como os da minha casinha, são cheios de vento. Não sei se os filhos são reais ou de pelúcia. Não sei se os produtos de higiene também são deixados de lado. O que sei é que certamente eles também vivem com o medo da ordem de retirada da casinha, que seus poucos móveis improvisados sejam retirados deixando-os sem nada. Imagino que diferente de mim, não há um lar seguro à espera deles.

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