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Democracia, processo justo e papel do juiz
Opinião

Democracia, processo justo e papel do juiz

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Sérgio Rebouças. Advogado criminalista, doutor em direito penal e professor de direito processual penal da UFC. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Sérgio Rebouças. Advogado criminalista, doutor em direito penal e professor de direito processual penal da UFC.

Os episódios envolvendo a atuação de Alexandre de Moraes como relator de inquéritos no STF e presidente do TSE despertam reflexões sobre o que esperamos da justiça e da democracia no Brasil. Além das dificuldades de autocrítica, como mais um exemplo dos desafios para o amadurecimento institucional no cenário brasileiro, parece necessário revisitar o problema do papel do juiz no processo criminal.

Tem-se agora outra manifestação de ativismo judicial investigativo, em que o juiz conduz a coleta da prova que vai embasar possível acusação que ele próprio vai julgar. As funções de investigação e de julgamento ficam reservadas à mesma pessoa, o que, por afetar a expectativa mínima de imparcialidade, não encontra exemplo em nenhum sistema civilizado contemporâneo, independentemente da causa que se queira servir.

O problema do "inquérito das fake news" é profundo, existindo desde a origem: inquérito instaurado com escolha de relator (nomeado pelo então Presidente do STF), com objeto depois ampliado descontroladamente para abranger situações desconectadas da origem, decretação de medidas cautelares não previstas em lei (ex.: proibição de dar entrevista) e impostas sem pedido do Ministério Público, alcançando até casos em que o próprio magistrado investigador (e futuro julgador) foi vítima. O ministro atua como juiz investigador-instrutor, figura estranha ao sistema de justiça criminal brasileiro. Não podem ser admitidos tais meios em nome da defesa da democracia. As regras do processo imparcial valem para todos, mesmo para golpistas.

A democracia também se reconhece no respeito ao processo justo e equilibrado. A relativização de princípios dá margem a que, quando mudarem novamente as circunstâncias políticas, ressurjam modos de atuação desviada como o que ocorreu na "lava-jato", com protagonismo de Sérgio Moro.

Não temos aqui juiz combinando procedimentos com procurador ("pede, que eu decreto"); mas temos um juiz protagonista de investigações conduzidas para motivar um processo que ele mesmo vai julgar. Essa é uma anomalia que nenhuma causa de defesa democrática poderá justificar. Como Odisseu, ou Ulisses, tenhamos cuidado com o canto das sereias… n

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