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O partido do crime
Opinião

O partido do crime

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Infelizmente o Brasil possui um histórico de tolerância e leniência com a corrupção. Trata-se de prática arraigada culturalmente e em larga medida admitida por estratos importantes da sociedade. Os avanços são lentos e permeados por desestimulantes retrocessos, de que são exemplos mais emblemáticos os desdobramentos da operação lava-jato.

À vista dessa realidade, é natural que tenhamos nos preocupado em combater a prática de crimes associados ao exercício de funções públicas eletivas ou designadas, criando mecanismos de controle e instrumentos jurídicos para fazer frente a esse desafio. Embora nem sempre frutífero, há um visível esforço de diversas instituições estatais - Ministério Público, Poder Judiciário, Polícia, Tribunais de Contas - voltadas à redução da corrupção e dos atos ímprobos.

De forma sorrateira e paulatina, contudo, a criminalidade organizada foi se aproximando do ambiente político, a princípio pela via da cooptação e da corrupção, mas mais recentemente por meio da atrevida participação direta no processo eleitoral, influenciando seus resultados ou patrocinando e apresentando de forma explícita seus candidatos.

Enquanto lutávamos para formar um arcabouço de proteção jurídica e institucional para enfrentar políticos criminosos fomos surpreendidos com o surgimento da figura do criminoso político.

A imprensa recentemente noticiou relatório da Polícia Federal, elaborado no contexto da investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco, apontando que pelo menos a metade dos deputados da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro têm relação com o crime organizado, o tráfico de drogas e as milícias. Dois dos mandantes do crime são parlamentares ou ex-parlamentares do Rio de Janeiro. Cinco dos últimos governadores foram presos.

Olhando em retrospectiva, a degradação institucional do Rio de Janeiro era anunciada: há muitos anos o narcotráfico e as milícias dominam extensas porções do território urbano da capital e região metropolitana. Daí decorreu o início da designação de candidatos pelas próprias organizações criminosos, conduzindo à consolidação de um narcoestado.

Com a migração da criminalidade organizada para o Nordeste, o Ceará começa perigosamente a trilhar um caminho parecido. Já não surpreendem as notícias de facções criminosas exigindo dinheiro dos candidatos para "autorizar" a realização de campanha nos bairros ou mesmo a expedição de comunicados em que vetam ou estimulam o voto em um ou outro postulante.

O momento exige um radical enfrentamento dessa realidade. Precisamos colocar todo o peso das instituições estatais na linha de frente contra esta verdadeira ameaça à democracia brasileira. Uma ameaça ao próprio Estado de Direito.

Os partidos políticos - a quem cabe fazer a escolha dos candidatos a cargos eletivos - têm a responsabilidade de realizar o primeiro filtro, expurgando aqueles com ligações a organizações criminosas.

Os eleitores precisam estar atentos e adotar como principal critério de voto a ausência de relação, ainda que indireta, ao crime organizado. Não será difícil fazer esse filtro: as cartas estão sobre a mesa. A responsabilidade desse enfrentamento é sem dúvida das instituições estatais. Contamos, contudo, com a decisiva participação do eleitor. O momento é agora. n

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