Quanto tempo leva para nos sentirmos frágeis e perdidos em relação a tudo que acreditamos e lutamos? Quanto tempo leva para vermos nossas referências teóricas e/ou políticas se esvaírem? Quanto tempo leva para vermos figuras públicas serem reduzidas aos papéis de "vítima" e "agressor"? Nessa semana, bastou pouco mais de 24 horas.
Esse foi o tempo para que entre denúncias de assédio moral e sexual seguissem situações de constrangimento, dor, especulação e, por fim, uma exoneração que, a meu ver, atingem não só aos envolvidos diretamente no caso, mas também a quem por ofício, compromisso social ou simplesmente por humanidade sentiu o peso da desumanização. Por que desumanização?
Porque vivemos em um país em que, segundo o Ministério Público do Trabalho, houve em 2023 um total de 8.458 denúncias de assédio sexual e moral em ambientes laborais entre janeiro e julho. Em 2022, foram 8.508 denúncias registradas durante todo o ano.
Também vivemos em um país em que os dados do Anuário da Segurança Pública (2023) apontam para o crescimento de mais de 50% dos casos de racismo. Foram 2.458 ocorrências contra 1.464 em 2021.
Porque vivemos em um estado em que o reflexo dos dados nacionais também aponta para a necessidade de campanhas de prevenção ao assédio moral e sexual, tal qual "Não é apenas um abraço", promovida pela Justiça Federal no Ceará. Quanto ao racismo, dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) nos informam que em 2023 houve 347 ocorrências contra 170 casos em 2022 no Estado.
Diante desses cenários, é como se a desumanização diária nos atingisse um pouco mais a cada dia. Na contramão desse processo, buscamos nos fortalecer e humanizar em referências individuais e institucionais que nos são caras. Nesse sentido, tanto o Ministério da Igualdade Racial quanto o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania são pilares da democracia. E, como tais, valiosos. Nada disso é sobre caminhos ou respostas fáceis. Não é sobre escolher entre a luta antirracista ou a luta feminista.
Na próxima semana, eu, mulher negra, docente universitária, vou entrar na sala de aula e num prazo bem menor que 24 horas talvez tenha que responder a estudantes que me perguntem: professora, isso é sobre nós?