Disponível no Globoplay, a série documental "Pra Sempre Paquitas" mergulha na toxicidade dos bastidores da televisão por meio da história das ajudantes de palco da apresentadora Xuxa Meneghel. Ao longo de cinco episódios, o projeto audiovisual não foge de encarar o ambiente competitivo e preconceituoso do programa "Xou da Xuxa", sucesso na Rede Globo entre os anos 1980 e 1990.
Unindo falas contundentes e evocando cenas complexas sem fugir dos erros cometidos, o documentário foi idealizado por Ana Paula Guimarães e Tatiana Maranhão. Talvez por isso, a obra consegue se guiar pelo ponto de vista de quem viveu todo aquele universo de glamour e perrengue.
Gordofobia, racismo, misoginia e assédio moral costuram a teia de um cenário que, na tela das crianças brasileiras, soava como um mundo de diversão. As Paquitas relatam situações inaceitáveis, como o fato de precisarem se despir na frente de Marlene Mattos para que a então diretora do programa pudesse fazer uma avaliação de quem estava ou não "acima do peso".
Caso a chefe (que não quis participar da série) julgasse que uma das meninas estava acima do peso, a garota era punida, sendo cortada de atividades do grupo. Chamadas constantemente por palavrões, elas, todas menores de 18 anos, precisavam cumprir cargas horárias exaustivas e nem podiam sequer manter os fios de cabelo na cor natural (todo mundo precisava ser loira).
Pensar nesse programa e ecoar a frase-meme "Que Xou da Xuxa é esse?" (grito dado por uma criança vetada de estar na plateia da atração), me fez pensar nos mundos "de fantasia" dos ambientes artísticos mundo afora, que, por baixo dos panos, seguem reproduzindo lógicas extremamente problemáticas.
Será que a gestão daquele espaço cultural é tão inclusiva assim ou há perseguição a funcionários que estão fora do "padrão"? Será que o tal diretor de teatro é só rígido mesmo ou ele se vale do poder para humilhar atrizes? E aquele equipamento público é mesmo diverso ou também é proibido "Paquita preta"?.
Se nos anos 1990, ações de preconceitos eram bradadas nos corredores sem meandros, nos "xous" de "novas Xuxas", a sutileza dos erros crassos impera no silêncio e no dito-não-dito. Fica ainda mais difícil discernir quem são as Marlenes. Avançamos? consideravelmente, mas a fantasia igualitária vendida por aí ainda é mundo da imaginação.