Há imagens que são simbólicas e conseguem sintetizar um contexto mais complexo, transcendendo as circunstâncias em que imediatamente inseridas.
Embora a ainda alguns dias do primeiro turno das eleições municipais, é improvável que a cena de um candidato à prefeitura da maior cidade do Brasil, agredindo a cadeiradas um de seus oponentes durante debate transmitido ao vivo para todo o país, seja superada por algum outro acontecimento dessa campanha.
É sem dúvida o evento que dominará a cobertura midiática e permanecerá como referência negativa desse período eleitoral.
Analisando-o desapaixonadamente, há muitas lições a extrair do episódio.
Sobreleva a percepção de uma visão da disputa política como uma guerra entre inimigos cuja agressão física é admitida.
Além disso, o ataque foi apenas a culminância de um processo degradante de provocações e trocas de impropérios chulos, com acusações grosseiras - embora eventualmente reais - da prática de crimes e a desqualificação absoluta dos oponentes.
Embora tenhamos um histórico de lutas políticas renhidas - que vão de atentados ao presidente da República, assassinato de um candidato a vice-presidente da República, morte de um senador no plenário do Senado, de um deputado no plenário da Assembleia Legislativa de Alagoas - para citar apenas alguns poucos exemplos, uma mera cadeirada pode parecer inofensiva e até pueril.
O fato ocorreu, contudo, ao longo daquela que tem sido a mais rasteira das campanhas eleitorais de que se tem notícia. Independentemente dos personagens envolvidos, a qualidade do debate político é baixíssima. E ao que parece, o eleitor assiste conivente ao espetáculo: agradam-lhe os xingamentos e a própria contenda física entre os candidatos.
Essa conclusão está em linha com o que abordamos há poucas semanas: a necessidade de uma tomada de consciência do próprio eleitor; a assunção de sua responsabilidade pela degradação de nossos costumes políticos.
O candidato sério, que estuda os problemas de seu município e se propõe a formular sugestões honestas e viáveis, está fadado ao insucesso nas urnas. A trilha da vitória, aparentemente, passa pelo histrionismo, o ridículo, a mentira e as falsas promessas, tudo regado à generosa distribuição de recursos de origem pública ou duvidosa.
Não há como imaginar, nesse contexto, que um profissional bem sucedido e bem intencionado se sinta estimulado a adentrar o ringue e apresentar-se a essa disputa.
Ainda que pretenda, não será competitivo.
Estamos encurralados por um sistema que dificulta a renovação dos quadros e que tem se mostrado disfuncional na viabilização de uma discussão franca dos reais problemas nacionais. Vamos movidos a ódio, encobrindo as mais graves questões que nos assolam e tratando as eleições como um misto de guerra e picadeiro.
Onde está a porta de saída? Reconhecer que não há opção fora da política, que os problemas não se resolverão espontaneamente e que precisamos de pessoas efetivamente capacitadas para enfrentá-los. Este diagnóstico, por si só, é um avanço na direção correta. Quem sabe, em um futuro próximo, consigamos eleger um chato, sem carisma, que não agride os adversários e se propõe a combater os desafios reais que se nos apresentam. n