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Guilherme Gonsalves: Estrangeiro em terra natal
Opinião

Guilherme Gonsalves: Estrangeiro em terra natal

A minha vivência no Ceará é fruto de centenas de outras ações e influências. Não que eu desgoste da Terra da Luz, não é isso. Mas quanto mais conheci meus ascendentes, consequentemente minha história, a sensação de pertencimento a onde ivo foi diminuindo
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Guilherme Gonsalves. Jornalista de Política do O POVO. (Foto: Aurelio Alves)
Foto: Aurelio Alves Guilherme Gonsalves. Jornalista de Política do O POVO.

Quando falamos da naturalidade de alguém, a primeira coisa a ser questionada é sobre onde nasceu, mas isso não necessariamente reflete a familiaridade ou sentimento de pertencimento a certo local. Na minha certidão consta Fortaleza, embora muitas vezes sinta-me um estrageiro.

Meu pai é amapaense, mas passou grande parte da vida no Ceará. Seu pai, casado com uma paraense, viveu a cada um terço de sua vida em locais totalmente distintos. Fruto de um improvável matrimônio de uma cearense de Baturité com um madeirense do Paúl do Mar (muitos sequer sabem onde é), ele passou os primeiros 20 anos na Ilha da Madeira, os outros 20 no então território federal do Amapá e os 20 finais em Fortaleza. Se eu tivesse a oportunidade de perguntar ao meu avô de onde ele seria, tenho dúvidas sobre qual seria a resposta.

A minha vivência no Ceará é fruto de centenas de outras ações e influências. Não que eu desgoste da Terra da Luz, não é isso. Mas quanto mais conheci meus ascendentes, consequentemente minha história, a sensação de pertencimento a onde eu vivo foi diminuindo.

Meu sotaque e costumes não mentem a naturalidade, mas o apreço ao bom açaí do Norte, imensas reuniões familiares com maniçoba, ou até mesmo ao bolo do caco, tradicional da Madeira, e àqueles que possuem o mesmo sobrenome que eu, Gonsalves com S, sim, escrito dessa forma, me trazem mais sensação de pertencimento e naturalidade.

Já que tocamos nesse assunto, viver longe dos familiares talvez seja o que mais difere. Me recordo desde cedo de receber cartões em datas comemorativas e memorizar nomes que pude encontrar anos e anos depois, ou que sequer cheguei a ter a oportunidade. É estranho pensar que tenho familiares distantes 4660 km, e mais estranho ainda é vê-los e ter a sensação de já serem próximos, porque são.

É marcante a primeira vez em Macapá e na Madeira. A sensação era de como se já conhecesse as ruas, as casas, a sua gente, minha gente. Esse é quem eu sou e de onde vim. A certidão é apenas de praxe e burocracia.

 

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