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Victor Breno Farias Barrozo: O homem que sabia "evangeliquês" e as eleições
Opinião

Victor Breno Farias Barrozo: O homem que sabia "evangeliquês" e as eleições

Do ponto de vista social e político, o evangeliquês é um dialeto complexo e cheio de sotaques denominacionais, que se constitui, em grande parte, de falantes periféricos, pobres, negros e mulheres
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Victor Breno Farias Barrozo

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No conto "O homem que sabia javanês", de 1911, o escritor brasileiro Lima Barreto narrou a história de Castelo, um personagem que de forma fraudulosa inventa saber falar a língua javanesa - que ninguém ao seu redor conhece - para, assim, angariar prestígio e ascender socialmente. Passados mais de um século do conto, seu enredo pode ser ilustrativo para pensar as relações entre as eleições e os evangélicos na atualidade.

De umas décadas para cá, especialmente nos últimos anos, com os dados de que os evangélicos compõem hoje cerca de um terço do eleitorado brasileiro, falar o "evangeliquês" - ampliando a reflexão proposta pela história - se tornou uma das proficiências políticas comunicativas mais importantes e, sobretudo, falseadas nas disputas às candidaturas municipais e estaduais.

Do ponto de vista social e político, o evangeliquês é um dialeto complexo e cheio de sotaques denominacionais, que se constitui, em grande parte, de falantes periféricos, pobres, negros e mulheres. Por esta razão, não há interlocutores oficiais ou que deem conta de representar unissonamente todas essas vozes.

No parlatório das propagandas eleitoreiras, temos àqueles que não aprenderam o idioma desse segmento religioso, e, portanto, não se comunicam, falando apenas entre si. Entretanto, de modo específico, existem àqueles que, como o personagem do conto, dissimulam o linguajar da fé por meio do uso retórico das palavras, símbolos e comportamentos para fazer persuadir o voto evangélico.

Por vezes, a população evangélica desejando se fazer ouvir ou dialogar, acaba por acreditar nestes candidatos que aparentam ter alguma pseudo-fluência, aceitando-os sem questionamentos ou críticas. Assim, a credulidade de parte desse eleitorado vai sendo explorada por políticos que utilizam a oratória religiosa para conseguir votos, sem necessariamente estarem comprometidos de modo real com os valores cristãos ou religiosos, agindo de forma enganosa.

Como no conto, a tagarelice fajuta e oportunista dos personagens ao pleito acaba por gerar mais uma babel de línguas, que, em vez de promover a escuta mútua dos evangélicos e da sociedade como um todo, acaba por emudecer o diálogo, criando ruídos sore a contribuição da voz da população religiosa para a cidade.

 

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