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Patrícia Soares de Sá Cavalcante: Não sou eu quem me navega...
Opinião

Patrícia Soares de Sá Cavalcante: Não sou eu quem me navega...

Em algumas cidades, podemos nos guiar pela presença do mar, de um rio, de uma igreja ou de qualquer monumento. Muitas vezes, quando essas referências surgem diante de nós tornam o percurso familiar e nos dão a sensação de estarmos em "casa".
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Patrícia Soares De Sá Cavalcante

Articulista

Quando estávamos perdidos em cidades litorâneas, meu pai, para que nos orientássemos melhor, dizia: "Procurem saber onde está o mar." E, quando ele aparecia, eu era tomada por uma sensação de segurança e deslumbramento. Era tão bonito vê-lo surgir.

Em algumas cidades, podemos nos guiar pela presença do mar, de um rio, de uma igreja ou de qualquer monumento. Às vezes, nem estamos, de fato, perdidos, mas, de repente, essas referências surgem diante de nós, tornando o percurso familiar e nos dando a sensação de estarmos em "casa".

Marcou-me a passagem do livro "No Caminho de Swann", de Proust, em que o narrador, ao lembrar detalhadamente da cidade fictícia onde passou a sua infância, Combray, descreve o Campanário da igreja de forma muito íntima. Sua avó via no Campanário aquilo que, para ela, tinha mais valor no mundo: naturalidade e distinção. "Se essa torre tocasse piano, estou certa de que não tocaria sem alma." Já adulto, quando alguém lhe indicava um ponto de referência que se assemelhava à torre, ele era capaz de acessar memórias que acreditava estarem esquecidas.

Assim como o Campanário está para Proust, o mar está para mim. Mais do que a função de bússola, ele me traz lembranças muito vívidas de uma infância na praia do Pacheco. Ver, escutar ou estar no mar, jamais será uma experiência banal. Sentir o gosto da água salgada, observar a onda forte quebrar, transformando-se, lentamente, numa suave espuma e encontrar o momento certo de penetrar na onda, para, em seguida, vivenciar o momento mais sublime, o mergulho, faz-me criança novamente.

Acessar essas referências afetivas pode nos ajudar a diluir as barreiras que nos fazem perceber algo como estrangeiro em nós mesmos e no mundo, minimizando o receio do que está submerso e da força das marés do oceano de cada um de nós. Se formos capazes de encontrá-las, poderemos olhar intimamente para, pelo menos, um ínfimo das infinitas águas do mar que nos navega, o que nos possibilitará sentir-nos mais à vontade para apreciar as belezas do caminho...

O que nos impele a escolher um percurso ou outro? Seriam múltiplos os caminhos possíveis? n

 

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