Logo O POVO+
Rafael dos Santos da Silva: A Antidemocracia
Opinião

Rafael dos Santos da Silva: A Antidemocracia

Em tempo, a democracia como processo aposta no contraditório como imperativo. Busca sempre o equilíbrio entre as forças políticas e interesses coletivos. Nesse ambiente, a divergência e a convergência caminham juntas
Edição Impressa
Tipo Notícia Por
Rafael dos Santos da Silva. Doutor em Sociologia e professor na UFC. (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Rafael dos Santos da Silva. Doutor em Sociologia e professor na UFC.

O fragmentado processo eleitoral de 2024 me faz recordar Jacques Rancière para quem a democracia é "o reino dos desejos ilimitados." O autor vai elaborar uma sofisticada síntese sobre o tema para concluir que a "democracia se ergue sobre a desordem, mas a desordem também se ergue sobre ela." Em resumo, a democracia ergue-se sobre a desordem quando a arena pública é mediada por argumentos consistentes e pautados na pluralidade. Em uma ideia: a capacidade de acessar a cidade; em uma palavra: a cidadania.

Em tempo, a democracia como processo aposta no contraditório como imperativo. Busca sempre o equilíbrio entre as forças políticas e interesses coletivos. Nesse ambiente, a divergência e a convergência caminham juntas. Contudo, há momentos em que a desordem se impõe à democracia. Então ela deixa de comandar o processo e se torna objeto de um projeto de poder. Desta forma, a democracia não passa de uma retorica grotesca onde o conceito de liberdade confunde-se com o de libertinagem; a discussão sobre a cidade é substituída por dancinha da moda; o achincalhamento público dar-se como método.

É vil este tipo de processo, pois desdenha da inteligência popular, fazendo a esperança ceder lugar ao medo! Como resultado, a democracia vira objeto a distorcer o real, sem, contudo, retirar o verniz da seriedade. Eis o famigerado antissistema. Neste sentido, bem cabe chamar Boaventura Sousa Santos para quem em ambientes como este há sérios riscos de se "perde a democracia, democraticamente."

Convém lembrar que a antidemocracia emergir no sufocamento da própria democracia. Logo, é fácil conhecer o antidemocrata, pois ele irá sair do meio da poeira levantada pela implosão da democracia. Ele, para manipular o público; a fé e a mídia - à la Goebbels - é capaz de qualquer coisa, até ensinar depilação intima. Por isso, não podemos desdenhar do atual processo eleitoral. Ele traz em si a coisificação do processo democrático baseada em memes a impossibilitar à radicalidade. Sufoca a democracia ao abrir-se à desordem com laivos de liberdade. Qual o resultado: mais um mito? n

 

O que você achou desse conteúdo?