Na esquina da rua Barão do Rio Branco com a avenida Duque de Caxias, um point movimentou a noite do Centro há 40 anos. O bar chamava Duques e Barões e era reduto de uma galera atrevida que quebrava as regras de gênero e sexualidade em meio às ruínas da ditadura militar.
Apesar de morar a apenas alguns quarteirões desse cruzamento, sei pouco do estabelecimento que, com certeza, frequentaria se ele ainda existisse. Está nos meus planos pesquisar a fundo essa noite fortalezense transviada. Por enquanto, o que eu não sei, completo com a minha imaginação.
Sei que a polícia fazia o "dia do arrastão" e saía prendendo quem estivesse por lá e nos demais bares e boates considerados inadequados. Muita gente era levada à delegacia, apanhava e era jogada lá na Barra do Ceará.
Lena Oxa me contou que tinha até uma fila indiana da humilhação. "Se você fosse travesti, tinha que dizer dois nomes, então eram dois tapas que levava. 'Como é teu nome de homem', aí você dizia. 'Como é teu nome de guerra?"' Aí dava dois tapas e levava a gente pra dentro da cela e batia", rememorou em abril de 2023 em entrevista publicada nas Páginas Azuis.
Após toda a violência, porém, lá estava o Duques e Barões lotado nas noites seguintes. Ninguém me contou, mas imagino que, depois da peleja, o povo voltava ainda mais animado para curtir a night. O som certamente tocava ainda mais alto e os beijos na boca ainda mais quentes. Abdicar do direito de aproveitar a vida não era uma opção.
Penso no que não vivi para celebrar o que vejo na Capital de hoje: a noite do Centro não morreu. No meu bairro, ainda tem a Valentina, boate que é cria da lendária Divine, que fechou em 2015, mas segue viva no imaginário da comunidade LGBTQIAP+.
Na marra, empresários, artistas, DJs e público dão as mãos para manter esse novo espaço pulsante. Neste sábado, 19, a Val completa dois anos de muita festa e promete uma noite com muito show de qualidade de arte drag. Imagino que a turma do Duques e Barões ficaria orgulhosa.
A partir desse microuniverso da noite, reflito também sobre tudo de bom que Fortaleza guarda em si – apesar de toda a desigualdade, violência e demais problemas já tão comentados. Ao imaginar os rumos do Município diante do segundo turno da eleição para prefeito, penso em quem bateu e em quem apanhou há 40 anos. Quais eram os planos daquelas pessoas para a Capital?