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Semana da Visibilidade Assexual
Opinião

Semana da Visibilidade Assexual

Dentro do espectro assexual, temos a chamada "área cinza", onde estão aqueles que experimentam atração de forma condicional ou parcial, mas ainda diferente do padrão de nossa sociedade hipersexualizada
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Estela Félix

Articulista

Você já parou para pensar como é viver sem atração sexual? Anualmente, na última semana completa de outubro, celebramos a “Semana da Visibilidade Assexual” ou “Semana Ace”, criada em 2010 nos EUA, com o objetivo de dar visibilidade à assexualidade. Em 2024, essa semana ocorreu entre os dias 22 e 26 de outubro, e eu gostaria de compartilhar um pouco sobre o que isso significa para mim e para muitos que se identificam com essa orientação sexual.

A assexualidade, ou espectro assexual, é uma orientação sexual marcada pela ausência de atração sexual, seja total, parcial ou condicional. Dentro do espectro assexual, temos a chamada “área cinza”, onde estão aqueles que experimentam atração de forma condicional ou parcial, mas ainda diferente do padrão de nossa sociedade hipersexualizada. Acredito que é essencial entender que a assexualidade não é um transtorno ou resultado de trauma. A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade afirma que “a assexualidade não é um transtorno ou fruto de trauma ou doença, pois não traz sofrimento. Acompanha a pessoa por toda a vida, não estando relacionada a níveis hormonais ou a qualquer outro parâmetro bioquímico.”

Desde 2015 na comunidade, aprendi que pessoas assexuais podem, sim, ter relações sexuais, e isso não invalida sua orientação. O que realmente define a assexualidade é como cada um vivencia a atração sexual. Existem os “assexuais estritos”, que não sentem atração sexual (como é o meu caso); os “grayssexuais”, que a sentem de forma intermitente: às vezes sentem e, outras vezes, inexplicavelmente, não. Eu diria que é como andar pela cozinha, sentir algo "caliente", mas decidir que um brigadeiro de panela parece mais interessante naquele momento. E temos os “demissexuais”, que só experimentam essa atração em conexões emocionais profundas, embora o vínculo que possibilita isso não seja controlável.

É comum ouvir que “todo mundo só sente atração por alguém especial”, mas, para nós, assexuais, isso não é verdade. A maioria das pessoas (alossexuais) – e provavelmente você, leitor, se encaixa aqui – sente atração de forma espontânea, enquanto nós, assexuais, muitas vezes não sentimos esse desejo. Não sentir vontade de ter relações sexuais não é uma patologia. Contudo, se alguém deixa de sentir atração e isso causa desconforto, é importante buscar ajuda.

Acho importante sempre ensinar o termo correto, que é “pessoa assexual”, e não “pessoa assexuada”. Assexuada é um tipo de reprodução que ocorre sem a necessidade de um outro ser, ou seja, sem o uso de material genético (DNA ou RNA) de outra fonte. Na reprodução assexuada, um único organismo se divide em dois por mitose, gerando clones geneticamente idênticos. Bactérias, protozoários, alguns animais e plantas se reproduzem dessa forma. Esse termo se aplica a processos biológicos, não à orientação sexual, já que nós, humanos, não conseguimos criar clones de nós mesmos.

A ausência de atração sexual não impede que um assexual ame, pois o interesse romântico é diferente do sexual. Na comunidade ace, é comum ouvir: “Se existe sexo sem amor, por que não pode haver amor sem sexo?”. As pessoas assexuais podem ser homorromânticas, heterorromânticas, panrromânticas, birromânticas ou até arromânticas, caso não experimentem atração romântica de forma total, parcial ou condicional. Mas esse tópico fica para outro dia.

Infelizmente, muitos assexuais enfrentam discriminação, exclusão social e, em casos extremos, são vítimas de “estupros corretivos”, uma forma de violência cruel que tenta “ensinar” o assexual a “gostar de sexo”.

Antes de me descobrir assexual, passei por situações que me machucaram. Nunca entendia por que gostava de alguém, me apaixonava, mas não conseguia sentir o interesse sexual que todos diziam ser a única forma de amar de verdade. Diziam que, por não sentir esse desejo desenfreado, eu não amava realmente. Quando me descobri, no final de 2015, foi um alívio perceber que não havia nada de errado comigo.

Quero aproveitar este espaço para agradecer à comunidade assexual brasileira, especialmente à cearense, os meus “Acearenses”; e à doutora Elisabete Regina Baptista de Oliveira (in memoriam). Sua tese, “Minha Vida de Ameba”, foi fundamental para validar a assexualidade no Brasil, e ela sempre lutou conosco para provar que não somos doentes e que não estamos “quebrados”. E, se alguma vez você se sentir em dúvida entre falar “assexuado” ou “assexual”, lembre-se: ninguém fala “heterossexuado” ou “homossexuado”. Assexuais existem e merecem respeito! Vamos juntos nesta eterna jornada de nos descobrir e redescobrir.

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