Nosso país está diante de um dos desafios mais radicais para realizar uma das exigências básicas de uma democracia: a Justiça Social. Trata-se de aprovar a segunda parte da reforma tributária, a mais importante, pois enfrenta o problema da taxação da renda e do patrimônio, a taxação dos ricos, beneficiados por uma das legislações mais favoráveis do mundo ao acúmulo sem restrições. Certamente estamos, nesse momento, diante do desafio de implementar o maior avanço institucional, como afirma C. Drummond.
A economista italiana Cl. Mattei defende que impostos regressivos são vinculados a cortes em gastos sociais e por essa razão também é muito importante combater esse tipo de tributação. O Estado não deve cortar gastos sociais enquanto subsidia grandes investidores. Segundo um estudo do Ipea, o 0,1% mais rico no Brasil se apropria de 12% a 14% da renda nacional, enquanto os 50% mais pobres ficam com 11%. A exigência básica é tributar juros, dividendos e juros sobre o capital próprio que em 1996 foram declarados isentos.
Nenhuma economia relevante tem isenção para lucros e dividendos tributados na pessoa física. O governo conseguiu avançar na tributação indireta na primeira parte da reforma, mas essas mudanças, embora necessárias por serem proporcionalmente melhores para os mais pobres, não modificaram o caráter regressivo de nosso sistema tributário, pois a primeira parte estava focada, sobretudo, na eficiência, produtividade e simplificação do regime de impostos.
A segunda fase, a tributação da renda, é extremamente importante por atacar as deformações do imposto de renda sobre a distribuição de lucros e dividendos, pois além de serem um incentivo à "pejotização", ou seja, à criação de uma pessoa jurídica para receber salário mediante a distribuição de lucros e dividendos, ainda isentam de impostos. Essa segunda fase inclui os fundos exclusivos, que também não são tributados no Brasil. Sabemos que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo e seu regime tributário é um dos maiores responsáveis por isso, embora nossa Constituição situe a igualdade como valor supremo e a redução das desigualdades seja considerada um dos objetivos fundamentais da República. No entanto, os trabalhadores pagam imposto e os beneficiários de lucros e dividendos, não.
Espera-se grande resistência no Congresso em relação à tributação sobre a renda uma vez que nosso Legislativo é constituído por muitos parlamentares vinculados a empresários de setores beneficiados pela atual legislação. Por isso, no máximo se admite, no atual contexto, um otimismo moderado quanto à proposta de reforma.
Alguns economistas começam a falar sobre progressividade tributária a partir de uma mudança de paradigmas que levou à aprovação de certos itens antes considerados inaceitáveis. Um exemplo disso foi a aprovação, já efetivada, da lei de fundos exclusivos e offshore em 2023 e a da subvenção do ICMS que tornou mais rigorosas as exigências para não tributação de benefícios fiscais e aumentou a respectiva carga tributária. Que algo fique claro entre nós: o sistema tributário é uma das causas da perpétua desigualdade social em que o Brasil figura entre os campões mundiais.