Pela primeira vez o Estado do Ceará regularizou a situação fundiária de uma comunidade quilombola. No início deste mês, o Instituto do Desenvolvimento Agrário (Idace) concedeu títulos para a Comunidade Quilombola Sítio Arruda, localizada entre Salitre e Araripe, na região do Cariri. Trata-se de um importante marco legal e histórico, tanto no sentido da gestão desses territórios quanto do reconhecimento do lugar e da contribuição dos povos de origem africana em nosso Estado - segundo a Secretaria da Igualdade racial, o Ceará possui 109 quilombos.
O fato desta ação ocorrer nesta região reveste-se de maior significância visto que, em tempos não muito distantes, a ideia de que não existiam negros no Cariri era muito difundida. Esta visão, assentada no racismo estrutural, além do viés do preconceito e da desigualdade, apaga a presença dessa ancestralidade na conformação daquele espaço, assim como também nega a presença indígena na região.
Neste sentido, a atuação de grupos que vêm se mobilizando em torno das causas negra e indígena no Cariri, em articulação com outras entidades representativas no Estado, vem trazendo avanços no que diz respeito às suas pautas e lutas.
Garantir o direito à titulação para essas comunidades que se constituem e se definem pela relação com a terra, mais que viabilizar a sua reprodução econômica, pode garantir melhor qualidade de vida, na medida em que esse processo é indissociável da dimensão social e cultural: diz respeito a alimentar sonhos, crenças e esperanças, elementos fundamentais à existência humana.
Contudo, ao mesmo tempo que localmente se celebre essa conquista, há motivos para ficarmos alertas, pois demandas como esta estão ameaçadas: o cenário formado pelo resultado das recentes eleições municipais, as perspectivas para as eleições federais em 2026, a atuação de um legislativo estadual e federal de perfil extremamente conservador e pouco afeito à promoção de uma agenda voltada para interesses e benefícios da população, tudo isso associado ao resultado das eleições norte-americanas constituem um horizonte sombrio, que requer pés no presente e muita atenção no porvir.