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Marcelo Uchôa: Ainda estou aqui
Opinião

Marcelo Uchôa: Ainda estou aqui

A história de Rubens Paiva, apesar de emblemática, não é tão conhecida pelos brasileiros. Ela soma a um sem número de outras histórias igualmente ofuscadas pela impunidade e pelo tempo
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Marcelo Uchôa, professor de Direito da Unifor; membro da ABJD e Grupo Prerrogativas (Foto: Reprodução)
Foto: Reprodução Marcelo Uchôa, professor de Direito da Unifor; membro da ABJD e Grupo Prerrogativas

Ainda Estou Aqui, filme de Walter Salles adaptado de livro de Marcelo Rubens Paiva, vem conquistando festivais Brasil afora e lotando salas de cinema em todo o país. A genialidade de Salles, a sublime atuação de Fernanda Torres e o olhar profundo de Fernanda Montenegro são destaques da produção, mas o que definitivamente prende a atenção do público é o enredo: a prisão ilegal e o desaparecimento forçado do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura de 1964 e a luta incansável e corajosa de sua esposa, Eunice Paiva, pela busca de respostas sobre o paradeiro do marido em pleno regime de exceção.

Eunice, que também foi presa ilegalmente por 15 dias, criou sozinha cinco filhos e tornou-se referência na advocacia indígena. Sua determinação em saber a verdade sobre o destino de Rubens Paiva é comovente. Só em 2006, após os trabalhos da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos, passados 25 anos da prisão do esposo, ela pôde suspirar: "é uma sensação esquisita sentir-se aliviada com uma certidão de óbito!" O mínimo considerando que as víboras que torturaram, mataram e atiraram o corpo do marido no mar jamais foram responsabilizadas.

A história, apesar de emblemática, não é tão conhecida pelos brasileiros. Ela soma a um sem número de outras histórias igualmente ofuscadas pela impunidade e pelo tempo. A exibição de Ainda Estou Aqui dá-se no momento em que um homem-bomba ameaça a democracia, tentando, a exemplo do 8 de janeiro de 2023, atacar os Poderes da República e um plano de setores das forças armadas para matar o presidente é descoberto. Perturbador!

O filme ensina às gerações pós-Constituição que, durante duas décadas, o Brasil viveu sob a escuridão da censura, das perseguições infundadas, dos crimes de Estado. Ensina, também, sobre a necessidade imperiosa de preservar a memória para evitar retrocessos, como uma infame anistia para os golpistas de 2023 ou uma abjeta conivência com a impunidade dos cabeças da conspiração. Ao fim e ao cabo, o filme é uma oportuna advertência de que, sem justiça, traidores da democracia seguirão ameaçando o país.

 

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