Dizem que o tempo cura tudo, mas a dor que eu sinto há nove anos - a de perder um filho assassinado pela polícia militar, não diminuiu. Ferida que não cicatriza. A dor de ter alguém que você ama assassinado por quem o Estado treinou, armou e pagou para nos proteger. Não há uma noite bem dormida, sem lágrimas. Quase uma década em que meu corpo e minha mente adoecidos pela perda demonstram de diversas formas que preciso de cuidado para alcançar bem o dia em que a Justiça seja feita.
Após a Chacina do Curió, datas comemorativas nos atravessam a garganta. Se é Maio, tem o Dia das Mães. E para nós, que enterramos nossos filhos em tal circunstância, o que celebrar? Se é Natal ou Ano-Novo, é o vazio que está em tudo. Nascimento, renascimento, esperança, como? Sem o sentimento de que houve justiça, não há o sentimento de que há paz.
Mantenho meu filho Álef vivo não deixando que o esqueçam, lembrando ao mundo que ele deveria estar aqui comigo celebrando a vida todos os dias - como fazíamos. Hoje eu preciso viver por mim e por ele. E sei que esse é o sentimento das mães de todo o país que perderam filhos e filhas para a letalidade policial. Não deixar que esqueçam essas vidas que foram tomadas pela violência que mira na população periférica, negra e pobre.
O júri em 2023, a primeira etapa em que se julgou aqueles que foram acusados pela execução de 11 pessoas na Grande Messejana em novembro de 2015, mostrou que a caminhada das Mães do Curió em busca de justiça - não de vingança, valeu a pena. Nos mostrou que não podemos descansar pois há muito ainda a ser feito.
Outros julgamentos virão e o Ceará tem a chance de mostrar ao mundo que é necessário e possível fazer justiça quando a polícia mata. Assim como também é necessária a mudança do modelo de segurança pública. Eu e todas as mães que sofreram a extrema violência de ter seus filhos e filhas mortos pela polícia apelamos pelo apoio de quem não concorda com tamanha brutalidade.
Álef, meu neném, mamãe tá aqui.