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Manfredo Araújo de Oliveira: Dia Mundial da Paz
Opinião

Manfredo Araújo de Oliveira: Dia Mundial da Paz

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Manfredo Araújo de Oliveira, professor de Filosofia da UFC (Foto: Divulgação)
Foto: Divulgação Manfredo Araújo de Oliveira, professor de Filosofia da UFC

Segundo o papa Francisco, o mundo, como ele está hoje configurado, é uma sociedade secular, que não se deixa mais tutelar por instâncias exteriores a si mesma e é marcada por uma miséria que ameaça a vida de dois terços da humanidade e por um processo gigantesco de destruição das próprias bases da vida no planeta. Tudo isso é fruto de um sistema que "impôs a lógica do lucro a todo custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza".

Isso diz respeito a todos nós. Por isso "cada um de nós deve sentir-se, de alguma forma, responsável pela devastação a que a nossa casa comum está sujeita...Assim, fomentam-se e se entrelaçam os desafios sistêmicos, distintos, mas interligados, que afligem nosso planeta...Refiro-me, em particular, às desigualdades de todos os tipos, ao tratamento desumano dispensado aos migrantes, à degradação ambiental, à confusão gerada intencionalmente pela desinformação, à rejeição a qualquer tipo de diálogo e ao financiamento ostensivo da indústria militar. Todos esses são fatores de uma ameaça real à existência de toda a humanidade".

A celebração do Dia Mundial da Paz no início de um novo ano nos convoca a escutar esse grito da humanidade para que nos possamos sentir chamados, "todos nós, juntos e de modo pessoal, a quebrar as correntes da injustiça" não só através de ações emergenciais, mas através das "necessárias transformações culturais e estruturais, para que possa haver também uma mudança duradoura" no enfrentamento da condição atual de injustiça e desigualdade.

O problema ético de fundo dessa forma de configurar a vida humana consiste na redução do ser humano a uma de suas dimensões, o consumo, tornando se ele mesmo um bem consumível: "o ser humano é considerado, em si mesmo, um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora. Assim, teve início a cultura do descartável....Os excluídos não são explorados, mas resíduos, sobras...neste sistema, o homem, a pessoa humana, foi deslocada do centro e substituída por outra coisa...se presta um culto idolátrico ao dinheiro... se globalizou a indiferença... na realidade, a desigualdade atingiu níveis obscenos"...Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez pelo dinheiro domina todo o sistema socioeconômico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana , faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco a causa comum".

A ética "é sentida como uma ameaça, porque condena a manipulação e a degradação da pessoa"... Daí a urgência em atacar as "causas estruturais" da pobreza, o que só pode acontecer renunciando-se à "autonomia absoluta dos mercados" e da especulação financeira, atacando-se as causas estruturais da desigualdade, pois ela constitui a raiz dos males sociais. Isso permite articular um horizonte que deve orientar toda a política econômica: a dignidade de cada pessoa humana e o bem comum são os valores éticos de base. Para o papa, essa mudança de estruturas deve atingir o mundo inteiro em virtude da interdependência global.

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