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Rodrigo Chaves de Mello: Ajuste fiscal e desajuste democrático
Opinião

Rodrigo Chaves de Mello: Ajuste fiscal e desajuste democrático

Com a mediação de políticos e mídias, agentes do mercado têm instrumentalizado o discurso da austeridade para lucrar com a perpetuação das desigualdades
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Rodrigo Chaves de Mello. Cientista Social, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú e pesquisador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso). (Foto: Arquivo Pessoal)
Foto: Arquivo Pessoal Rodrigo Chaves de Mello. Cientista Social, professor da Universidade Estadual Vale do Acaraú e pesquisador do Conselho Latino-americano de Ciências Sociais (Clacso).

Não é de hoje que estudiosos apontam a articulação entre o reconhecimento de direitos e a redistribuição de recursos como pedra de toque dos regimes democráticos. Sob essa perspectiva, sociedades democráticas são aquelas em que formas de vida plurais encontram valorização por meio de uma distribuição justa de bens e oportunidades. Nesse modelo, a ampliação de direitos e a redução das desigualdades avançam juntas, sustentadas por um pacto solidário que transforma as riquezas coletivamente produzidas em bases para a justiça social e o bem-viver.

O Brasil de 2024 aparenta revelar sinais de progresso nesse horizonte — ao menos para os olhares desavisados: inflação controlada, crescimento do PIB, índices de ocupação próximos ao pleno emprego e uma redução significativa da pobreza. Contudo, essa aparente bonança oculta um mal-estar: a voraz tentativa do capitalismo financeiro de anular o pacto democrático do país. O atual debate sobre o ajuste fiscal é um exemplo claro desse processo.

Com a mediação de políticos e mídias, agentes do mercado têm instrumentalizado o discurso da austeridade para lucrar com a perpetuação das desigualdades. A proposta de financiar a isenção do Imposto de Renda para as classes baixas por meio da taxação dos super-ricos desencadeou reações especulativas que elevaram o dólar e intensificaram pressões contra uma partilha fiscal minimamente justa.

Como um "sindicato dos abastados", o parlamento fez ouvidos de mercador aos apelos por solidariedade redistributiva: preservou os supersalários das elites do funcionalismo, as aposentadorias e pensões das Forças Armadas e manteve intactas as isenções fiscais para setores poderosos. Ao mesmo tempo, limitou a valorização do salário mínimo e pressionou pela flexibilização dos pisos constitucionais para Saúde e Educação.

A democracia brasileira encontra-se sob forte risco. Fortalecê-la exige mais do que equilíbrio fiscal; demanda um compromisso renovado com a justiça social, no qual a redistribuição das riquezas expresse um pacto de valorização dos direitos à cidadania e ao bem-viver coletivo.

E neste pacto não há espaço para a usura dos financistas.

 

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