Em 1969, Clarice Lispector croniquizou "Charlatões", num texto em que provoca uma reflexão sobre as armadilhas da vida, capazes de afastar as pessoas de sua essência verdadeira e do autoconhecimento. Clarice aponta para a tendência humana de buscar soluções ou certezas em quem promete mais, em quem fala com segurança, mesmo que, no fundo, não haja substância no que é dito.
O consumo funciona de forma semelhante: uma série de promessas e ilusões é vendida a nós, assegurando que seremos mais completos, mais felizes, ou que encontraremos um propósito em cada nova compra. E enquanto isso, o essencial, aquilo que realmente sustenta nossa existência, é esquecido.
Vivemos, como Clarice sugere, em uma realidade permeada por "charlatões", mas agora esses charlatões não são apenas pessoas, são produtos, são ideias de felicidade enlatadas. Em meio ao calor absurdo e às mudanças climáticas, a ilusão de que "consumir consciente" é suficiente para resolver nossa crise ambiental revela-se rasa. É uma solução vazia, um apelo charlatão que nos faz crer que pequenos ajustes pessoais são suficientes diante de uma crise sistêmica.
Assim, o consumismo cria distrações, nos leva a nos afastar das conexões profundas com a natureza e com o que realmente importa. Seguimos seduzidos por promessas de plenitude e pertencimento através do consumo, enquanto o planeta emite sinais claros de esgotamento. O "charlatão" aqui nos convence de que a responsabilidade é só nossa e que pequenas ações de consumo podem "salvar o mundo".
É o mesmo tipo de ilusão de que Clarice parece desconfiar - a falsa certeza de que podemos delegar sentido e responsabilidade aos outros, ou a algo externo, em vez de enxergar a nossa própria participação na história.
Em última análise, talvez a verdadeira sabedoria seja a que desafia essa cultura de charlatanismo, buscando o essencial - aquilo que nos conecta, que valoriza a vida e o planeta como algo além do mercado, além do consumo.