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Roberta Andrade Ferreira: Somos charlatões de nós mesmos
Opinião

Roberta Andrade Ferreira: Somos charlatões de nós mesmos

Vivemos, como Clarice Lispector sugere, em uma realidade permeada por "charlatões", os quais, agora, não são apenas pessoas, existem também na forma de produtos, de ideias de felicidade enlatadas
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Roberta Andrade Ferreira

Articulista

Em 1969, Clarice Lispector croniquizou "Charlatões", num texto em que provoca uma reflexão sobre as armadilhas da vida, capazes de afastar as pessoas de sua essência verdadeira e do autoconhecimento. Clarice aponta para a tendência humana de buscar soluções ou certezas em quem promete mais, em quem fala com segurança, mesmo que, no fundo, não haja substância no que é dito.

O consumo funciona de forma semelhante: uma série de promessas e ilusões é vendida a nós, assegurando que seremos mais completos, mais felizes, ou que encontraremos um propósito em cada nova compra. E enquanto isso, o essencial, aquilo que realmente sustenta nossa existência, é esquecido.

Vivemos, como Clarice sugere, em uma realidade permeada por "charlatões", mas agora esses charlatões não são apenas pessoas, são produtos, são ideias de felicidade enlatadas. Em meio ao calor absurdo e às mudanças climáticas, a ilusão de que "consumir consciente" é suficiente para resolver nossa crise ambiental revela-se rasa. É uma solução vazia, um apelo charlatão que nos faz crer que pequenos ajustes pessoais são suficientes diante de uma crise sistêmica.

Assim, o consumismo cria distrações, nos leva a nos afastar das conexões profundas com a natureza e com o que realmente importa. Seguimos seduzidos por promessas de plenitude e pertencimento através do consumo, enquanto o planeta emite sinais claros de esgotamento. O "charlatão" aqui nos convence de que a responsabilidade é só nossa e que pequenas ações de consumo podem "salvar o mundo".

É o mesmo tipo de ilusão de que Clarice parece desconfiar - a falsa certeza de que podemos delegar sentido e responsabilidade aos outros, ou a algo externo, em vez de enxergar a nossa própria participação na história.

Em última análise, talvez a verdadeira sabedoria seja a que desafia essa cultura de charlatanismo, buscando o essencial - aquilo que nos conecta, que valoriza a vida e o planeta como algo além do mercado, além do consumo.

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