Até certo tempo atrás eu acreditava firmemente que havia um consenso de que questões como o holocausto eram acontecimentos considerados inquestionavelmente hediondos e pontos sem retorno na história. Hoje entendo que era ingenuidade minha (e creio que muita gente talvez compartilhe essa perspectiva). O fato é: episódios recentes têm revelado esforços de relativização e trivialização do nazismo e do holocausto.
"A história se repete e a força deixa a história mal contada", dizem os versos da canção do grupo pop Engenheiros do Hawaii. Em discurso realizado num evento promovido pelo AfD, partido da extrema direita alemã, ultranacionalista e ultraliberal, com conexões nazistas, o empresário Elon Musk sugeriu que o povo alemão deveria abandonar a culpa pelo passado e se orgulhar de sua identidade nacional, não se perdendo em multiculturalismos que tudo diluem.
Marx afirmava que a história acontece como tragédia e se repete como farsa. Em meio às celebrações referentes aos 80 anos da libertação do campo de concentração de Auschwitz, nacionalismo e racismo se abraçam e são evocados por um sujeito que tem o poder de deixar a história mal contada e de repetir a tragédia, já que a amplificação de vozes com esse tipo de ideias em ambientes de mídia digitalizada é capaz de assumir proporções catastróficas.
E o fato deste episódio ter acontecido poucos dias após figuras-chave do mundo corporativo da comunicação digital terem se alinhado publicamente no dia da posse do presidente dos Estados Unidos, com direito à performance com o gesto da saudação nazista dá a dimensão do cenário a ser enfrentado.
Como um Jano de duas faces, esse contexto é, ao mesmo tempo, sombrio e pedagógico, e nos ensina que algumas lições sobre as políticas da memória. A primeira delas, e talvez a mais importante, é que democracia é um processo que está diretamente associado à responsabilidade da rememoração ativa e constante, tanto para o entendimento do presente quanto para que os erros do passado não se repitam no futuro.