Em janeiro, os dados da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS) do Ceará contabilizam 26 mulheres assassinadas no Estado, sendo três casos tipificados como feminicídio. Na última semana do mês, em café da manhã com a imprensa, o governador Elmano de Freitas (PT) chegou a afirmar que a paridade entre homens e mulheres é difícil em um estado onde "todo dia uma mulher morre só por ser mulher".
A fala do gestor, que detinha ali números parciais, foi precedida pela informação de que 2025 já havia registrado 22 mortes de mulheres. Na sequência, sua assessoria fez o adendo: desses, apenas três eram feminicídios.
O Ceará tem um trágico histórico em relação à tipificação dos crimes contra as mulheres. Em 2023, o dossiê "Contra-dados sobre feminicídios no Ceará", elaborado pelo Fórum Cearense de Mulheres (FCM), mostrava a imensa subnotificação. Para se ter uma ideia, em 2019, enquanto a SSPDS contava 35 feminicídios, o Fórum apontava 93 ocorrências. No ano seguinte, a estatística oficial mostrava 23 casos, o Fórum afirmava ser 115.
Após a entrega do Dossiê ao então titular da SSPDS, houve o compromisso do poder público.
Em maio de 2023, uma portaria normativa determinava que "todos os Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI), exceto os latrocínios, que tenham como vítimas mulheres e membros da população LGBTQIA+ deverão ser primariamente tratados como resultantes de ações de ódio, intolerância sexual ou decorrentes do machismo estrutural, sendo registrado como feminicídio, transfobia ou homofobia, conforme o caso específico".
Demandada sobre o cumprimento da portaria, a SSPDS informou que "no registro da ocorrência, são considerados todos os elementos, até então presentes, a fim de enquadrar, preliminarmente, a morte violenta de mulheres como feminicídio, se tiverem elementos que indiquem ter ocorrido o fato em razão de desigualdades estruturais de gênero. Caso a ocorrência seja inicialmente registrada como homicídio, e a investigação indique se tratar de feminicídio, a alteração no Sistema de Informações Policiais (SIP) deverá ser imediata".
Temos compreensões diferentes que tratam de questões essenciais: enquanto a portaria afirma que os homicídios devem ser, no caso das mulheres cis, registrados antes como feminicídio; a pasta deixa claro que esse enquadramento inicial só é feito caso, "no registro da ocorrência", haja indícios.
Deixo aqui exemplo desse descompasso, que pode ser responsável por divulgações como a de julho do ano passado, quando a SSPDS afirmou que o Ceará tinha a menor taxa de feminicídios do Brasil a cada 100 mil habitantes.
Bárbara Bessa, 25, foi assassinada pelo ex-namorado na saída de uma festa em Fortaleza, em abril de 2023. No documento da SSPDS, que consolida os CVLIs de 2023, o caso ainda consta como homicídio doloso.
O POVO já mostrou que as leis que ajudam a combater a violência contra as mulheres também precisam incidir no contexto de violência urbana. A própria Lei Maria da Penha contempla essa realidade. Era onde a portaria normativa do Ceará também deveria atuar.