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"Ainda Estou Aqui" — Este texto não é sobre o Oscar
Opinião

"Ainda Estou Aqui" — Este texto não é sobre o Oscar

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O tempo não volta, algumas pessoas também não. Essa é a narrativa do filme "Ainda Estou Aqui", que relata o desaparecimento de Rubens Paiva durante a ditadura militar brasileira, e como a esposa Eunice e os filhos lidaram com a situação. O filme aponta como a fotografia sempre esteve presente nesse núcleo parental, com registros de domingos cariocas, invernos londrinos, encontros familiares e também como instrumento de memória para a ausência.

A filósofa Susan Sontag diz que a câmera tem o poder sobre o que será registrado e lembrado, que reforça a memória e dá significado ao passado. Uma cena muito interessante do drama é a partida de Eunice e dos filhos para São Paulo. Enquanto o carro se distancia, a filha filma a casa em que viveu por toda a infância e juventude. As imagens funcionam como forma de guardar na memória aquilo que já não faz mais parte de sua vida e de sua realidade.

Ainda referenciando Sontag, a fotografia e outros objetos visuais não são apenas representações, mas carregam um tipo de poder quase mágico, como um talismã. Rubens, que foi abruptamente arrancado, deixando um vazio no espaço e na família, é revisitado em fotos. O efeito talismânico das imagens cria a qualidade de imortalidade, a evidência de sua ausência, e a recordação do porquê seguir na luta contra o esquecimento.

Eunice Paiva conseguiu o atestado de óbito oficial de seu marido, comprovadamente preso e torturado em 1971. A última cena da trama é a viúva inserindo a certidão numa pasta que contém todas as notícias sobre o desaparecimento do marido. Aquela teia de informações e imagens ajuda a interpretar, assimilar e finalmente encerrar uma tragédia silenciada por mais de 40 anos.

Por fim, como se não fosse o suficiente toda a carga imagética do filme, as fotografias nos créditos são o suprassumo do choque de realidade e o atestado de veracidade de que aquela família existiu e a história contada em 2 horas e 15 minutos aconteceu.

"Ainda Estou Aqui" é um exemplo prático da importância e do poder ainda atual da fotografia, que, para além da documentação do real, é capaz de despertar os mais variados sentimentos, e carrega algo muitas vezes mais caro e valioso do que dinheiro, a aura, como há muito tempo disse Walter Benjamin. n

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