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"As leis não bastam..."
Opinião

"As leis não bastam..."

Como todo avanço incomoda os interessados na manutenção do estado anterior, o aumento da violência de gênero seria um efeito rebote às demandas feministas por seus direitos?
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Mariana Pedrosa

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A estrutura cultural da sociedade contemporânea é o patriarcado. Em leis como os Dez Mandamentos, das Doze Tábuas e Código de Hamurabi, a mulher era objetificada. Constava na lista de bens do marido.

No Brasil, o Código Civil de 1916 relegava às mulheres um papel de submissão. Eram consideradas relativamente incapazes. O marido era quem autorizava o seu ingresso no mercado de trabalho. O reconhecimento da capacidade civil veio com o Estatuto da Mulher Casada (1962). Em 1977, avançamos com a Lei do Divórcio, mas persistia norma como a da anulação do casamento caso a esposa não fosse virgem, revogada somente em 2002.

Apenas com a Constituição Federal de 1988 conquistamos a igualdade entre homens e mulheres. E a equidade, dentro e fora da sociedade familiar, continuou com o Código Civil de 2002. Em 2006, entrou em vigor a Lei Maria da Penha. Nove anos depois, a Lei do Feminicídio, que completa 10 anos neste mês.

Mesmo com a evolução legislativa para proteção às mulheres, a desigualdade e a violência de gênero são problemas enraizados em várias dimensões da vida social, econômica, política e cultural.

A pesquisa "Visível e Invisível", encomendada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2025) revela dados alarmantes da violência contra as mulheres. São os maiores níveis verificados ao longo de 8 anos da primeira pesquisa (2017). Constatou-se que 37,5% de brasileiras sofreram violência física, sexual ou psicológica nos últimos 12 meses. 40% dessas agressões foram de autoria de parceiros íntimos. E o pior: 47,4% das vítimas não fizeram nada contra a conduta sofrida, o que demonstra o grande índice de subnotificação e a persistência de barreiras estruturais, emocionais e institucionais que dificultam a busca por apoio e proteção.

Como todo avanço incomoda os interessados na manutenção do estado anterior, o aumento da violência de gênero seria um efeito rebote às demandas feministas por seus direitos?

É fato que os grupos ultraconservadores elegeram, dentre outras pautas, o combate à igualdade de gênero. E o alastramento da infomisoginia, como os Red Pills e os "masculinistas", ampliam vozes a favor do machismo e de ações em desfavor das mulheres, cooptando seguidores no mundo digital obscuro (deep web). Hospedam comunidades compostas por homens supremacistas brancos, com ódio às mulheres, em especial negras ou simplesmente empoderadas. E ainda compartilham manuais de estupro.

Uma sociedade imersa na crueldade de discursos hostis às mulheres, proferidos reiteradamente por pessoas públicas e até por autoridades, geram uma espécie de "autorização" aos agressores a repetirem as mesmas condutas criminosas, situação que perpetua os abusos contra meninas e mulheres. Precisamos mudar essa realidade, afinal "as leis não bastam. Os lírios não nascem das leis" (Drummond). n

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