Ano passado, por essa época, conversando com um escritor cearense, ele me disse que Recife, cidade onde mora há muitos anos, se tornou uma espécie de escultora de corpos, e que as dezenas de academias que abrem por lá a todo momento são as responsáveis pela beleza torneada dos recifenses que têm o frevo como atrativo. "Academias, igrejas e lojas de açaí tomaram Recife", queixou-se bem humorado.
Contei para ele que, em termos de academias e lojas de açaí, Fortaleza não tem do que reclamar de Recife. Se as farmácias se transformaram - no atual zeitgeist (espírito tempo) - nos novos templos de cura e esperança, as academias são as maiores aliadas do discurso contemporâneo que propaga a sensação de bem-estar, saúde e prevenção de males presentes e vindouros.
Não é fácil a vida numa academia. Entre supino, rosca scott, adutor, abdutor, legs horizontal e vertical, além dos agachamentos mil, sumôs, pesos e mais pesos, força e resiliência, o corpo segue frenético e suado, enquanto a música soa com batidão, às 5h30min da matina. Sem falar da moda de academia. Foi-se o tempo que uma legging, uma blusinha qualquer e um tênis mais ou menos resolviam uma estada rápida puxando ferro num lugar em que todos estavam, com uma ou outra exceção, do mesmo jeito.
Agora, as calças femininas para treino custam um bom dinheiro. Sem contar, os tops, as croppeds, os macacões, as superposições. Impossível não saber que os tecidos técnicos, atualmente, dão as cartas nos modelos de alto padrão e ainda garantem que a roupa proporciona um melhor treino. Além de tudo isso, há os desfiles de tênis coloridos e arrojados dialogando com os looks e a maquiagem matinal. Tudo muito bem registrado nos stories, porque não basta ir à academia, é importante fazer a selfie da superação diária, semanal e contabilizar os resultados, porque eles vêm.
Estamos só começando. Porque quem pensa que corpo sarado se consegue com pouca coisa, esqueça. Além das roupas, é necessário uma miríade de suplementos. Há de se ter a proteína, a cretina, as vitaminas, tudo com certificado de pureza; uma alimentação balanceada à base de ovos, muito ovo, frango - que eu detesto - cuscuz, batata doce, frutas, vegetais, amêndoas e fibras, e uma gama de petiscos turbinados do tipo: paçoquita com proteína e broas fit. Água e mais água, porque sem água nada chega aos músculos. As combinações das dietas, de fato, são algo que impressionam. Na minha casa tem até balança de precisão para pesar as quantidades exatas dos alimentos.
Outro dia, perdi a paciência e avancei sobre um pão carioquinha bem moreno e crocante com um recheio nada saudável e café com leite, lembrando da dieta nordestina legítima do meu avô, Zeca, que morreu aos 104 anos. Toda manhã, ele comia um pãozinho branco com manteiga e uma fatia de queijo coalho e café com leite; um bom bife na hora do almoço com arroz, feijão e macarrão, e a sobremesa era um doce de verdade. Depois da janta e da novela das 8, meu avô tomava uma xícara de leite morno. Quando relembro isso ao meu marido, ele me diz muito sério: "Se seu avô tivesse frequentado a nossa academia, só morreria com uns 200 anos". n