O retorno à cena política mundial de Donald Trump e de sua controversa agenda econômica protecionista e de truculência geopolítica deixa muita gente assombrada e temerosa do que poderá acontecer como resultado de suas ações. Muitos analistas enfatizam os efeitos de curtíssimo prazo sobre os mercados e as expectativas dos agentes privados em termos de comércio, investimento e finanças. Outros entendem que seria só um jogo de cena do novo presidente americano para atender a seu público doméstico em cumprimento de suas promessas de campanha. Destacam a dimensão transacional do mandatário e o seu estilo mercurial de negociar com parceiros internacionais.
Mas, na verdade, o que muitos não percebem é que por trás do chamado "tarifaço" e das ameaças de ocupação de territórios estrangeiros (Canadá, Faixa de Gaza, Groelândia e Canal do Panamá) pelos EUA está um país exaurido pelos altos custos de sua estrutura octogenária de hegemonia global e abalado pela desindustrialização e a estagnação da renda de sua classe média, antes considerados, ao lado do desenvolvimento tecnológico, os motores de sua prosperidade e afluência. Trump não surge do nada. Resulta, isto sim, da insatisfação da classe trabalhadora americana com os efeitos da chamada globalização sob a forma de falta de bons empregos, salários baixos e parcas perspectivas de ascensão social em um ambiente dominado pela desigualdade crescente, propagação de inovações digitais, exclusão de mão de obra pouco qualificada e a excessiva financeirização da economia.
A manutenção do império americano custa muito caro aos contribuintes estadunidenses. O custo das 800 bases militares do país no exterior e com a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) pesa muito nos gastos com a defesa. Em 2023, o governo dos EUA gastou US$ 820 bilhões com a defesa, ou 8,15% do total do gasto orçamentário federal. Nos últimos cinco anos, essa rubrica consumiu 8,6% dos gastos totais do governo americano. Para uma economia de baixo crescimento (média de 2,4% de 2020 a 2024) essa fatura se torna cada vez mais insustentável. As despesas bélicas dos EUA com a ajuda à Ucrânia no conflito com a Rússia e com Israel na Faixa de Gaza aumentaram a sobrecarga sobre o Governo americano.
O peso da defesa no orçamento seria suportável se houvesse folga fiscal. No entanto, as finanças públicas americanas vêm se deteriorando a olhos vistos. Com um déficit fiscal anual de 7,5% do PIB e uma dívida de 121% do PIB em 2024 (segundo o FMI), os EUA estão sem margem de manobra para modernizar sua combalida infraestrutura e estimular a reindustrialização de suas antigas zonas industriais do chamado "cinturão da ferrugem" no nordeste do país, justamente onde mais têm crescido o desalento e a insatisfação do eleitorado americano com o estilo de política tradicional do partido Democrata. Nesse contexto é que surge o "Movimento de fazer a América grande novamente" (Maga), sob a liderança de Donald Trump e com promessas de isolar o país da concorrência estrangeira e de fazer voltar os investimentos e as empresas que haviam saído para se localizar em outros destinos, sobretudo na Ásia.
Nesse pano de fundo geral acima exposto e à guisa de conclusão, é fácil compreender porque a deportação em massa de milhares de imigrantes e a imposição discriminatória de tarifas aduaneiras aos países parceiros, aliados ou adversários, faz parte da ruidosa agenda trumpista. Isto como uma tentativa de buscar reverter a tendência de decadência econômica dos EUA e manter as bases de sua debilitada hegemonia global em um cenário que consideram ameaçador de competição acirrada com a China e de ascensão de outras importantes potências emergentes no âmbito do Brics. Só o tempo dirá se terá sucesso ou não. n