A cassação do mandato do deputado federal Glauber Braga (Psol-RJ), aprovada pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados em 9 abril, expõe uma série de contradições no tratamento dado a parlamentares envolvidos em episódios de violência. Enquanto se recomenda a punição de Glauber sob a alegação de "quebra de decoro parlamentar", outros casos de agressão física no Congresso não resultaram em cassação, revelando um claro viés político no processo. Esse viés político, agora, está escancarado, uma vez que o caso está sendo instrumentalizado como moeda de troca entre o Centrão e o Governo Federal.
A história do Congresso Nacional está repleta de episódios de violência entre parlamentares que não levaram à perda do mandato. Dois deles resultaram em morte. O primeiro, em 1929, quando o deputado Simões Lopes matou com dois tiros o deputado Sousa Filho. O segundo, em 1963, quando o senador Arnon Mello (pai de Fernando Collor) disparou três vezes contra Silvestre Péricles e acabou matando o senador pelo Acre José Kairala. Mais recentemente, Éder Mauro (PL-PA), denunciado pelo crime de homicídio, não teve sequer processo instaurado na Comissão de Ética da Câmara, e Chiquinho Brazão (eleito pelo União-RJ), acusado de ser mandante do assassinato de Marielle Franco, tem processo de cassação paralisado há mais de um ano. Esses casos mostram que a cassação por agressão é seletiva e depende mais de conveniências políticas do que de um critério jurídico.
Sim, Glauber agrediu um provocador do MBL ao expulsá-lo aos empurrões e pontapés da Câmara dos Deputados, respondendo à injusta e contínua agressão do provocador, que, durante dias seguidos, perseguiu Glauber para ofendê-lo e impedir sua atuação parlamentar no Rio de Janeiro. A gota d'água se deu quando as ofensas e agressões passaram a ser direcionadas também à mãe do parlamentar, à época uma senhora idosa, com Alzheimer em estado avançado e doente em fase terminal. Tomado por violenta emoção, Glauber se valeu de meio desproporcional para repelir injusta agressão, o que no direito chamamos de excesso excludente. Excludente porque exclui a antijuridicidade da conduta. Em bom e inequívoco português: ao reagir expulsando o provocador aos empurrões e pontapés, defendendo a honra e a integridade própria e de sua mãe, Glauber não cometeu crime. Exerceu, com excesso, mas sem abuso, legítima defesa de direito.
O determinante no processo de Glauber, portanto, não é a natureza jurídica de sua conduta. É a natureza política de sua atuação parlamentar e a natureza oportunista da relação do Centrão com o Governo.
O mandato de Glauber foi transformado em uma peça de barganha política. O processo é uma demonstração de força do bloco conservador que dá sustentação ao governo, e o Centrão se vale dele para dizer quem controla a pauta legislativa e, claro, para diante disso exigir contrapartidas.
Glauber escancara a hipocrisia, o oportunismo e a moralidade sem moral do Centrão. Mas escancara também os limites e as contradições do nosso sistema, da nossa cultura política, da governabilidade sempre precária de governos de conciliação. n