Terra da modernização sem o moderno, o Brasil parece viver sob um paradoxo temporal no qual a reação caminha à frente do avanço.
Décadas após o pacto pela anistia ampla, geral e irrestrita que pavimentou o caminho para a redemocratização, um engodo do tema volta à cena, dando razão à máxima de que a história se repete - primeiro como tragédia, depois como farsa.
Na tragédia, a anistia foi o preço que a sociedade civil pagou para encerrar a longa noite aberta pelo golpe de 1964 e abrir caminhos à democratização. Na farsa, reaparece em plena vigência da democracia - não como gesto de reconciliação, mas de cizânia, voltada a livrar golpistas das consequências legais de seus atos.
Parece o fundo do poço. Mas é só mais um degrau na ladeira da qual o país despenca desde 2016, momento em que um consórcio reacionário se forjou na conexão entre dois blocos: de um lado, o fisiologismo tradicional, legítimo representante daquilo que a sociologia política denomina como as "forças do atraso"; de outro, as malsãs facções antidemocráticas e autoritárias, emergentes dos porões da ditadura e hostis aos marcos da Constituição de 88.
Não foram poucos os momentos em que esta santa aliança desfilou suas afinidades eletivas: na sessão do parlamento, quando, entre discursos desconexos, a memória de um confesso torturador foi louvada; na instalação da cúpula militar na governança do Rio de Janeiro, sob a desculpa de enfrentamento à criminalidade; no tuíte do comandante do Exército, acossando o Supremo; e, por fim, sob Bolsonaro - período em que, por meio do orçamento secreto, o fisiologismo enfiou as mãos no cofre da União, enquanto os golpistas se dedicaram faceiros à sua vocação: sabotar a democracia.
Reunidos nas assinaturas ao PL que pretende anistiar os responsáveis pela intentona de 8/01/2024, Centrão e Antidemocráticos protagonizam novamente mais um dantesco capítulo do consórcio entre o mal e o atraso. Um pacto de chantagens que ameaça o país com o espectro do golpismo, enquanto bloqueia a agenda de políticas públicas urgentemente necessárias à mitigação das desigualdades sociais, econômicas e ambientais que moldam o país.