Na última terça-feira (22), um atentado violento chocou a cidade turística de Pahalgam, na Caxemira administrada pela Índia, deixando 26 mortos e 17 feridos, conforme dados oficiais. As vítimas foram identificadas em sua maioria como civis indianos, no que já é classificado como o ataque mais letal deste século na região. A reação imediata reacendeu temores de uma escalada perigosa, inclusive com riscos nucleares: a Índia acusou o Paquistão de patrocinar o ataque, acusação negada por Islamabad.
As raízes do conflito remontam à Partição da Índia Britânica, em 1947, quando a colônia foi dividida em dois Estados: um de maioria hindu (Índia) e outro muçulmano (Paquistão). A Caxemira, então principado autônomo sob o marajá hindu Hari Singh, tornou-se um epicentro de disputa, pois, apesar da maioria muçulmana, o governante optou pela adesão à Índia, desencadeando a primeira guerra entre os países.
Apesar do cessar-fogo de 1949 que dividiu o território e da inclusão do Artigo 370 na Constituição indiana, garantindo certa autonomia a Jammu e Caxemira, a Caxemira tornou-se um Estado semicolonial. A autonomia prometida nunca se concretizou plenamente, criando um limbo político que alimentou décadas de insatisfação e intensificou movimentos de insurgência, em sua maioria grupos islâmicos jihadistas apoiados pelo Paquistão.
O ataque recente, no entanto, introduz um novo ator: a Frente de Resistência da Caxemira (TRF), grupo pouco conhecido que afirma ser um movimento local e secular, sem ligações com Islamabad, surgido em 2020 após a revogação do Artigo 370, que eliminou o status especial da região. A medida permitiu a administração direta por Nova Délhi, vista como afronta à identidade local.
A novidade da investida é a mudança de tática: civis foram atacados deliberadamente. A crise na Caxemira é, como tantas outras, um nó histórico envolvendo religião, geopolítica e identidade, agravado pelo legado colonial. Nesse cenário, grupos como o TRF encontram terreno fértil para recrutamento, e sua radicalização sugere que a janela para um desfecho pacífico está se fechando.
Soluções requerem reconhecer três verdades inconvenientes: o apoio paquistanês a insurgentes alimenta a violência, visto que o país perdeu o controle sobre os grupos que ajudou a criar; a repressão indiana - com toques de recolher, detenções arbitrárias e censura - aprofunda o ressentimento local, gerando mais militantes do que elimina; e, mais importante, os caxemires devem ser sujeitos, não objetos, deste processo.
Qualquer resposta duradoura exigirá mais que medidas unilaterais ou retórica belicista, trazendo ao centro do diálogo o fim do sofrimento da população caxemira. Do contrário, a região seguirá refém de um ciclo de violência cujas consequências podem ir além de suas fronteiras.