Como médico e deputado estadual, não posso silenciar diante da criação do Exame Nacional de Avaliação da Formação Médica (Enamed). A iniciativa, embora travestida de preocupação com a qualidade dos profissionais de medicina, escancara o verdadeiro problema: a falência do poder público em garantir a formação adequada dos nossos futuros médicos. O Enamed, longe de ser uma solução, é, na verdade, um atestado de fracasso e, pior, um grave risco à saúde da nossa população.
A criação de uma prova nacional para avaliar os formandos é a confissão cínica de que o governo, que deveria zelar pela excelência do ensino médico, optou por lavar as mãos. Em vez de fiscalizar rigorosamente a abertura e funcionamento dos cursos de medicina, como exige o Conselho Federal de Medicina, que, há anos, estabelece critérios objetivos e sérios, como a necessidade de estrutura adequada, hospitais de ensino, corpo docente qualificado e laboratórios modernos, o MEC se omite e terceiriza a responsabilidade para uma avaliação ao final do curso.
A consequência dessa omissão é dramática. Cursos sem hospitais próprios, sem infraestrutura, sem professores experientes continuam a proliferar Brasil afora, empurrados por interesses econômicos e políticos. E quem paga a conta é a população, que corre o risco de ser atendida por médicos mal formados, sem a vivência clínica e o preparo necessário para lidar com a complexidade da prática médica.
Se o governo fosse, de fato, compromissado com a formação médica de qualidade, começaria pelo óbvio: fechar os cursos que não cumprem os padrões do Conselho Federal de Medicina. Não faltam normas técnicas! Falta decisão séria, responsável. Implementar um exame ao final da graduação é um atalho cômodo e ineficaz, que apenas disfarça a gravidade do problema. Gera uma falsa sensação de segurança, como se um simples teste pudesse corrigir anos de formação inadequada.
A medicina exige compromisso integral com a vida, formação contínua, responsabilidade ética e técnica desde o primeiro dia de faculdade. Reduzir a formação médica a um exame é nivelar por baixo a nobre missão dos médicos e tratar com desprezo a saúde dos brasileiros.
Não podemos compactuar com esse cinismo. O futuro da medicina brasileira e, sobretudo, a vida dos nossos cidadãos exige seriedade na formação médica. E seriedade se constrói com fiscalização, critérios rigorosos, investimento em educação de qualidade e respeito à ciência. O Enamed não é a solução. É a prova do fracasso do Estado na formação médica no Brasil.