Nos 100 primeiros dias de seu segundo mandato, Donald Trump confirmou os piores temores de seus adversários e críticos: aprofundou seu estilo transacional e promoveu um ambiente de turbulência institucional.
O que, em seus discursos iniciais, pareciam blefes - como transformar o Canadá em um estado americano, comprar a Groenlândia ou assumir o controle do Canal do Panamá - agora surge como parte de uma doutrina, ainda que com resultados muitas vezes duvidosos e caóticos. No plano doméstico, Trump avançou com uma agenda de deportações em massa, perseguição a universidades, aos programas de diversidade e ao judiciário e uso intensivo de ordens executivas para impor mudanças estruturais. O modelo democrático dos Estados Unidos está sob tensão, e cresce a dúvida sobre a capacidade de resistência de suas instituições diante dessa nova ofensiva.
A reação dos mercados e de países afetados não tardou. Houve queda nas bolsas americanas, elevação dos custos para o consumidor interno, sinais de retração econômica e queda nos índices de popularidade do governo. A guerra comercial ganhou novo fôlego, redesenhando cadeias produtivas e minando o comércio global. Já o multilateralismo - que vinha sofrendo com embates entre países - enfrenta novos abalos, aprofundando um ciclo internacional marcado por incertezas.
Mas como isso afeta o Brasil?
Mais uma vez, nos vemos diante de uma transformação na ordem internacional. Como em outros momentos históricos, o país é chamado a reposicionar sua política externa em meio à disputa entre grandes potências. Nossa diplomacia sempre buscou equilíbrio, evitando alinhamentos automáticos e mantendo o diálogo com diferentes polos de poder. Essa postura, que no passado nos permitiu preservar autonomia em contextos de alta polarização, será novamente posta à prova.
Desta vez, porém, o cenário é mais complexo. A China já é o principal parceiro comercial do Brasil. Essa relação estratégica vai além do comércio. No âmbito dos BRICS, Brasil e China têm defendido uma nova governança internacional que inclua as economias emergentes nas decisões globais. Isso nos coloca diante de um novo dilema: como manter uma parceria sólida com a China sem comprometer os laços com os Estados Unidos, que agora e exigem alinhamento explícito dos seus aliados?
O pragmatismo brasileiro pode se transformar em vantagem. Conhecemos a lógica da diplomacia chinesa - altamente estratégica e pouco sentimental - e sabemos que oportunidades podem surgir mesmo em contextos de confronto. A atual instabilidade global exige atenção, mas também inteligência para negociar em áreas de interesse mútuo, explorar brechas abertas por tarifas e reconfigurações comerciais. Temos capital diplomático, inserção em fóruns globais e um mercado atrativo. Se soubermos mobilizar esses ativos, poderemos exercer um papel estratégico neste mundo em transformação.