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Jeovah Meireles: Água, sim. Urânio, não
Opinião

Jeovah Meireles: Água, sim. Urânio, não

O vale do rio Acaraú e as serras adjacentes, com altitudes superiores a mil metros, correm o risco de contaminação por urânio. As detonações necessárias para acessar as rochas radioativas podem devastar a serra do Céu
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Professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC) (Foto: Viktor Braga/ Divulgação)
Foto: Viktor Braga/ Divulgação Professor Jeovah Meireles, do Departamento de Geografia da Universidade Federal do Ceará (UFC)

A exploração de urânio e fosfato em Santa Quitéria pode causar um dos maiores impactos socioambientais no Ceará. O vale do rio Acaraú e as serras adjacentes, com altitudes superiores a mil metros, correm o risco de contaminação por urânio. As detonações necessárias para acessar as rochas radioativas podem devastar a serra do Céu.

A paisagem sonora será obliterada pelos estrondos com poeiras e gases radioativos. A fauna e flora locais serão compulsoriamente expulsas e restará uma cava no Sertão Central que poderá acumular água radioativa desde as chuvas torrenciais.

Foi possível constatar que o Estudo de Impacto ao Meio Ambiente (EIA/RIMA) não realizou análise integrada dos componentes geoambientais, ecológicos, econômicos, sociais e culturais, desde a exploração até o transporte do urânio concentrado para os portos cearenses. Os riscos da radioatividade sistêmica serão favorecidos, atingindo as populações que ancestralmente convivem com o semiárido.

Os rios e o sistema geofísico abrigam os aquíferos fundamentais para as múltiplas formas de usos. As águas superficiais e subterrâneas não foram adequadamente consideradas no controle global dos riscos e o EIA/RIMA não definiu as conexões entre as emaranhadas fissuras do aquífero subterrâneo com a vida de todas as espécies. As recargas, durante a infiltração das águas pluviais, no inverno, serão comprometidas.

As chuvas intensas podem mobilizar pó radioativo depositado durante estiagens, e as torrentes radioativas podem atingir cidades e áreas rurais e indígenas, expondo populações a riscos radiológicos e comprometendo a justiça hídrica e o direito ao acesso a água limpa e segura para essas comunidades.

Até 2050, serão explorados 855.000 litros/h para suprir os circuitos da mineração, industrialização e concentração radioativa, em um cenário que projeta aumento de de até 3°C acima das médias atuais.

É chegada a hora de reverter esse cenário radioativo, proteger as águas e os povos do sertão em tempos de emergência climática, promover a justiça ambiental e fortalecer as práticas agroecológicas baseadas na sabedoria popular.

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