A fumaça branca era ansiada na grande praça secular. Um novo papa era esperado. Boatos e apostas abundavam. Os que entram como papáveis, saem cardeais. Pelo mundo, pela igreja, governos, populações, misturavam-se esperanças e temores. Entre os tradicionalistas, conservadores, reacionários, extrema-direita, havia o ardoroso anseio pela casa patriarcal tirânica, pela lógica da moral punitiva, condenatória e castradora, pelos muros e cercas dogmáticos. Havia o pavor que o novo papa aprofundasse as inovações bergolianas, as críticas sociais, as defesas ambientais, o diálogo com minorias e religiões, como a islâmica.
Entre os liberais, os católicos sociais, as esquerdas, havia o sonho reformista e o temor de retrocesso. Marco Politi, vaticanista italiano, afirmou que a igreja vive uma guerra civil entre correntes liberais/sociais, que pelejam por uma igreja aberta, dialogal, fraterna, próxima dos que sofrem, e as correntes afins com a extrema-direita, que pretendem uma igreja autocentrada, defensiva, punitiva, clerical. No segundo dia de conclave, veio o resultado.
O cortinado vermelho se abriu. Viu-se uma silhueta. Do antigo latim, ouviu-se o gáudio. Robert Francis Prevost, o papa Leão XIV. Remete à Leão XIII, reformista social, mas doutrinalmente conservador. Esperança para alguns, decepção para outros. Trumpistas já o criticam duramente. A devassa de falas, escritos, fotos, criou uma montanha semiótica. Busca-se mais torcer a favor ou contra a continuidade da reforma bergoliana, que interpretar bem os sinais dos tempos.
Compreendem-se melhor sutilezas quando se enxergam os conjuntos e contextos. Leão XVI nasceu nos EUA, fez-se natural do Peru. Perto da pastoral, longe da carreira burocrática, a galgou por Bergoglio. Calçou sapatos pretos, mas vestiu o mantel vermelho. Falou de Cristo como único salvador e igreja farol (tradição doutrinária), e de igreja sinodal, paz desarmada/desarmante, unidade e diálogo (perspectiva reformadora).
Irrepetível, Francisco foi a própria reforma, preparou a sucessão e a continuidade reformista. O colégio cardinalício intuiu que uma igreja autocentrada, clerical, repressora, burocrática e mofada, agoniza e definha.