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"Quem tem fome, tem pressa" continua atual
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"Quem tem fome, tem pressa" continua atual

| Segurança Alimentar | Nascido no exílio dos pais, Kiko lidera projeto criado por Betinho e planeja que Ação da Cidadania mobilize agendas sociais, públicas e privadas
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Rodrigo Afonso, o Kiko, é diretor-executivo da Ação da Cidadania (Foto: Sara Gehren/ Divulgação da Ação da Cidadania)
Foto: Sara Gehren/ Divulgação da Ação da Cidadania Rodrigo Afonso, o Kiko, é diretor-executivo da Ação da Cidadania

Para quem acompanha o dilema da fome no Brasil, o cenário atual até parece reprise de 1993, quando o sociólogo e ativista dos direitos humanos, Herbert José de Sousa, o Betinho, mobilizou a Nação para tirar 32 milhões de pessoas da fome.

Hoje, muitas pessoas, até famílias inteiras, estão morando nas ruas dos grandes centros e pedindo um pão ao menos para ter uma refeição no dia. Além disso, os noticiários voltam a falar sobre o retorno, em 2022, do Brasil para o Mapa da Fome Mundial.

Mas o propósito do Betinho não se foi com sua partida, em 1997. Ele continua de pé e contrariando as estatísticas de tempo de duração, a Organização Não Governamental (ONG) vislumbrada por ele, a Ação da Cidadania, continua voltada a ajudar milhares de pessoas.

À frente da Ação da Cidadania contra a Fome, a Miséria e pela Vida está Rodrigo Afonso, o Kiko, diretor-executivo da entidade. Ele chegou na ONG para prestar consultoria, por intermédio de um amigo que tem em comum com Daniel Souza, filho mais velho do Betinho.

Era o destino, já que Kiko, foi concebido durante o exílio dos pais, Carlos Alberto Afonso e Cleyde Fernandes Afonso, no Chile, no período da Ditadura Militar brasileira. Foi neste mesmo contexto que o casal e Betinho passaram a compartilhar dos mesmos sonhos e propósitos.

Em suas memórias afetivas muitos contatos com o sociólogo que junto com o seu pai fundou, em 1981, o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), organização de cidadania ativa, sem fins lucrativos.

Kiko a princípio seguiu outros caminhos. Mas sentia que tudo o que vivenciou de exemplos dos pais estavam em segundo plano. Foi quando surgiu a primeira oportunidade de atuar na ONG.

De lá para cá, muita coisa mudou, menos o propósito que auxiliar a quem tem fome, que, ressalta, é muito mais que distribuir cestas básicas: é atuar em todo o sistema da insegurança alimentar.

"Não aguentamos mais, como sociedade, o nós contra eles. Não andamos para lugar nenhum e o eles, infelizmente, quase sempre tem mais forma que o nós", diz Kiko.

Os dados mais atuais do Instituto Fome Zero, encomendada pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), mostra que o número de brasileiros que passam fome caiu de 33 milhões em 2022 para 20 milhões em 2023. Milhões, ainda.

O POVO - O senhor nasceu no Panamá enquanto seus pais estavam exilados, correto? Quais as primeiras recordações da sua infância?

Kiko Afonso - Essa história toda, certamente, um dia vai virar filme (risos). Meus pais engravidaram de mim no Chile, quando fizeram amigos na época do Betinho. Quando aconteceu o golpe militar no Brasil (1964), minha mãe estava grávida de oito meses e, com o golpe acontecendo também no Chile, meus pais tiveram que se refugiar na embaixada do Panamá.

Era uma sala de cento e poucos metros quadrados com centenas de pessoas dentro tentando sobreviver. O Betinho era uma dessas pessoas. Assim, eles conseguiram o exílio no Panamá. Chegando lá, as mulheres grávidas ficaram em uma cidade e os homens em outra.

Na época, o Panamá estava no processo de implantação do Canal do Panamá (obra civil que permite o fluxo de grandes embarcações entre os oceanos Atlântico e Pacífico) e dependia muito do governo americano para o investimento, e o governo americano pressionou o governo panamenho por estar abrigando "comunistas" sob pena de perda de apoio. Assim, o governante foi conversar com os exilados com lágrimas nos olhos pedindo para que eles saíssem do País.

Pagaram o voo para onde quisessem e damos um documento autorizando a saída de vocês. Então, nós conseguimos uma entrevista com a embaixada do Canadá e, no meio do processo, chega informação de amigos que moravam no Canadá dizendo que iam negar o nosso visto e, a única forma de conseguir ir para lá, era ir clandestino. Eu estava com três meses de idade.

OP - E como foi esse processo?

Kiko Afonso - A gente não tinha documento nenhum, apenas algumas folhas de papel almaço e fizemos uma capinha parecendo com o passaporte brasileiro.

Eram dezenas de pessoas com uma malinha pequena, sem dinheiro e sem nada. Já na imigração, havia uma linha que determinava a entrada no Canadá. O pessoal pediu ao pessoal da imigração para sentar numas cadeiras, eles deixaram e, nesse momento, o pessoal da Igreja Anglicana que apoiava o grupo dos meus pais entrou com processo de advogado afirmando que a partir disso, a gente tinha direito de conseguir um exílio.

A gente morou dentro de um dos prédios da igreja, uma espécie de convento, e tivemos apoio para conseguir emprego, morar num apartamento... Mas o começo era chocante. Pegava móveis de lixão. Mas vamos combinar que o lixão canadense era de móveis bem melhores. E as minhas primeiras lembranças são essas: dos móveis pintados de laranja numa casa de madeira bem rústica.

Meu pai era engenheiro e minha mãe sempre trabalhou muito com audiovisual. No Canadá, ela integrou organizações de direitos das mulheres. Quando ela saiu de lá, tinha reconhecimento do governo canadense pelo trabalho que ela fez, com carta do primeiro ministro agradecendo.

OP - E como o senhor via esse envolvimento dos seus pais com o social e como enxerga hoje a importância que isso tudo teve para a história?

Kiko - Eu não tinha muito a referência do que estava acontecendo. Saí do Canadá aos 7 anos. A minha lembrança do Canadá era coisa de criança. Foi até visitar os lugares lá, há uns oito anos, para rever os lugares que imaginava imensos, mas na verdade não eram (risos).

Voltamos para São Paulo e, depois, viemos para o Rio (de Janeiro) com o Betinho, que foi quando se criou o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas).

Eu tenho uma honra gigante de ser filho deles. A luta que eles tiveram é algo que não se vê na juventude da nossa sociedade, que não consegue se mobilizar corretamente diante de tanta coisa. E o que eles passaram, perseguição, risco de morte, prisão... Depois de um país maltratar tanto eles, eles ainda voltaram para desenvolver projetos sociais e trazer uma esperança para milhões de pessoas.

Eu já convivia com projetos sociais, ia junto com eles, atuava de alguma forma. Isso me incentivou em várias coisas. Quando entro em um colégio aqui no Brasil, comecei a me envolver com movimento estudantil, era do grêmio do colégio, lutando no processo do voto aos 16 anos...

OP - E em que ponto você viu que queria mesmo seguir esses passos como os do Carlos Afonso, do Betinho?

Kiko - Então, foi um processo complexo (risos). Meu pai fundou, dentro do Ibase, o Alternex, que foi o primeiro provedor de internet da América Latina. Ele é um dos pais da internet no Brasil e eu fui muito nessa linha, de tecnologia.

Primeiro, eu fundei uma empresa assim que entrei na faculdade, a Via Web. Para se ter ideia, quando eu entrei na PUC, em 1993, os meus professores não sabiam o que era internet.

Como eu entrei nessa área e tinha conhecimento à frente do tempo, a minha empresa atendia outras empresas. Fiquei com a empresa até 2002, fora do social. Como eu era filho do Carlos Afonso, muitas ONGs me procuravam, mas era uma coisa comercial, não social.

Trabalhei muito tempo na iniciativa privada, tive um aprendizado enorme com outros trabalhos na área privada, e quando eu saí, fui trabalhar na RITS, uma ONG de inclusão digital de larguíssima escala.

Fui ser o responsável da tecnologia do projeto que tinha parceria com a Petrobras e mais de 1,5 mil telecentros espalhados pelo Brasil e atendeu milhões de pessoas. Era uma época na qual a internet existia, mas as pessoas não tinha acesso.

Foi um projeto maravilhoso, incrível, mas é aquilo, com o tempo o acesso aumenta e o projeto fecha. Eu volto para o setor privado e vou trabalhar, veja só, para uma empresa de software do mercado financeiro. Passei seis anos (risos). Fui para coordenar a área de tecnologia e acabei virando sócio da empresa depois.

Aí sim foi o momento que eu virei a chave. Eu trabalhava, ganhava muito bem, a empresa era inovadora, mas chegou o momento em que eu não aguentava mais ser aquela pessoa falsa com que eu estava atendendo.

Eu tinha reunião com banqueiro, dono de corretora e dá para imaginar os absurdos que se ouvia contra toda minha concepção de vida. Não concordava com nada do que falavam, mas não ia confrontar.

No fim do dia, eu estava bem financeiramente, mas mal... Olha a história dos meus pais e olha o que eu estou devolvendo para eles. Em 2013, eu pedi demissão, pego a minha grana e me digo: vou passar um ano sabático estudando para entender o que eu quero fazer. Na minha cabeça, eu queria fazer algo que envolvesse tecnologia e impacto social.

OP - Deu certo?

Kiko - Fiz várias conexões com diversos atores do meio, cheguei a viajar a outros países... Em 2014, eu estava iniciando o projeto nessa área, mas foi para outra vertente. Criei uma organização focada em políticas públicas em startups.

No meio de tudo isso, um amigo em comum meu com o Daniel Souza, que é o filho do Betinho, diz que o Daniel está precisando de ajuda lá na Ação Cidadania. Ele precisa de cabeças inovadoras e achava que a gente tinha tudo a ver.

Daniel e eu nos conhecemos no exílio. Ele foi exilado na Suécia e depois em Londres, além de morar com o Betinho em temporadas no Canadá e México. A gente tinha convivência naquela época, mas a nossa diferença de idade é de cinco anos. Tínhamos uma relação de carinho, respeito, mas não éramos próximos.

Então, eu entro na Ação para dar consultoria. Passo dois anos dando consultoria gratuita para eles. Deu tudo certo, eu tocando meu projeto em paralelo e com eles. Em 2016, concluímos o projeto de mudança de estatuto, de montar um outro olhar.

Apresentamos ao conselho, o Daniel me chama para ser diretor-executivo, mas quando começamos a fazer a mudança, a fome começa a voltar. Nós começamos a receber relatos dos nossos comitês pelo Brasil de que a fome está voltando. Nesse processo, a gente retoma depois de dez anos o Natal Sem Fome.

OP - Você acredita que a tecnologia e os novos modelos econômicos podem contribuir para a gente conseguir sanar a falta de alimentos para os brasileiros?

Kiko - Poder, pode. Se está é outra coisa. Toda a tecnologia tem muito a contribuir para o combate à fome, para a geração de emprego... O problema todo é que a gente vive um modelo que muitos negócios são construídos em cima de manter o status quo na pobreza. No fim do dia, é o capitalismo colocado.

O que a gente tem visto é que muito da tecnologia tem sido colocado para aprofundar a desigualdade.

Além do mais, como você capacita uma pessoa que está com fome? Tem um fosso de desigualdade social, financeiro, de conhecimento acontecendo todo dia e a velocidade da tecnologia está aumentando estruturalmente.

A tecnologia tem uma aplicação importante, no sentido de aumento da produção de alimentos, melhoria de processos logísticos, qualidade de alimentos.. Nesse sentido, a tecnologia tem uma relevância muito grande no combate à fome.

OP - Qual o peso da volta da campanha do Natal Sem Fome?

Kiko - Eu acho que é uma derrota completa para o povo brasileiro. Não foi a Covid-19 que causou a fome. Se fosse um agente externo que tivesse causado a fome, poderíamos dizer que o povo brasileiro não teve influência em relação ao que aconteceu.

Mas tem. Nós fizemos as nossas escolhas nas urnas e sofremos as consequências disso. O que está provado hoje em todas as pesquisas e avaliações que a gente fez é que as políticas públicas que foram estabelecidas no Brasil no período pré-saída do Mapa da Fome eram revolucionárias nesse universo de combate à fome.

Desde o golpe da presidente Dilma (Rousseff, PT) até o fim do governo (Jair) Bolsonaro (PL), a gente passa seis anos numa mudança do que é alimentação no Brasil. Passa-se a olhar o alimento simplesmente pelo viés do negócio.

É o incentivo ao agronegócio porque o agronegócio é a nossa força motriz econômica. Então, começa a jorrar dinheiro de incentivos para aquilo.

Mas, em vez de manter o que se fazia com os pequenos produtores para manter toda a questão dos programas sociais, o desenvolvimento da agricultura do agronegócio foi em detrimento do investimento da agricultura familiar, em detrimento do investimento em programas sociais, de uma série de programas de alimentação escolar e isso foi um massacre para a população.

Em 2008, quando aconteceu a grande crise econômica da nossa geração, a gente não percebeu fome porque as políticas públicas estavam implementadas.

Aumentou a pobreza, mas aumentou o investimento social, aumentou o investimento da produção de alimentos, e isso fez com que a gente conseguisse manter o preço do alimento estável.

Ficamos de 2017 até agora, quando entrou o presidente Lula (PT), sem aumento do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Congelou tudo no momento em que a inflação dos alimentos chegou a quase 100%. Isso fora a fila gigante das pessoas para o Bolsa Família.

OP - Com a volta do Brasil ao mapa da fome em 2022, depois de oito anos fora, qual a sua visão e como sair novamente?

Kiko - A volta ao Mapa da Fome, para a Ação e para mim foi um soco no estômago. A gente se sentiu derrotado. São 20 e poucos anos de atuação para sair e, em poucos anos, voltar.

A gente percebeu e aprendeu uma série de coisas sobre as políticas públicas, como a necessidade de um controle social mais rígido para atuar de forma mais coordenada. Isso levou ao que é a Ação da Cidadania hoje, uma robustês para não só atingir o objetivo como evitar o retrocesso.

A raiz da grande maioria dos problemas é a desigualdade de classe.

A fome é resultado da pobreza. Não é o contrário. A gente precisa resolver o problema da distribuição de renda para resolver o problema da fome.

OP - E nós estamos ainda nesta fase de políticas públicas?

Kiko - Se você olhar as políticas públicas que estão implementadas e que são essenciais, como PNAE (Programa Nacional de Alimentação Escolar) e o programa internacional de alimentação escolar, vê que existem para oferecer a uma família que não tem condição de adquirir os seus alimentos o alimento.

Essa família ainda não teve a oportunidade de exercer um emprego que pudesse fazer com que ela pague por tudo sem precisar de um subsídio do governo.

É o que estávamos falando antes, a economia do jeito que está, muitas empresas estão criando seus modelos de negócio em cima desses pobres trabalhadores que já vivem com subsídio.

No fim do dia, o governo, com esses programas, também está subsidiando essas empresas com os trabalhadores que elas pagam mal.

A gente precisa falar também da redução da desigualdade de forma intensa. O Brasil precisa sair do ranking dos top três mais desiguais do mundo e virar um país realmente que foca na redução da desigualdade.

O Brasil é um dos maiores exportadores de alimentos do mundo, mas esse alimento não chega na nossa mesa. E quando chega, chega ultraprocessado. A única coisa que, de fato, o setor de agronegócio contribui efetivamente, ou seja, é acima da média, é a balança comercial. Todo o resto é à base de incentivos.

Uma grande plantação de soja no interior do Mato Grosso precisa de rodovia para escoar a produção. O governo vai lá e constrói uma estrada robusta. Quem paga isso?

Eu estou muito feliz de ver as falas do (Fernando) Haddad (ministro da Fazenda) em relação a isso. A gente já teve uma reforma tributária inicial, vamos ter na segunda etapa que é a etapa da renda mesmo, que é a mais importante.

OP - A fome tem cor, tem gênero...?

Kiko - Quando a gente olha o mapa da pobreza brasileira, vê que isso é resultado e está ligado diretamente a como está estruturado o preconceito da nossa sociedade. Quem mais sofre? A mulher preta pobre. Esse é o rosto da fome no Brasil.

Agora tem que começar a reconstruir isso. E aí a dificuldade desse governo. Não é a mesma realidade do primeiro mandato. Se pegou o Brasil destruído.

O último ano foi de reconstrução. E todo esse processo de reconstrução foi com o orçamento aprovado no governo anterior.

A gente tem tudo para reverter esse quadro de estar no Mapa da Fome em poucos anos. Tenho certeza que temos todos os instrumentos para isso.

O POVO- Como avalia o trabalho que vem exercendo na Ação da Cidadania?

Kiko - Estou muito feliz com o resultado que a gente está conseguindo fazer com ações muito relevantes.

Eu sou membro do Pacto Contra a Fome que a Geyze Diniz atua, que está inclusive, em Fortaleza. Falamos sobre a redução de incentivos para os produtos ultraprocessados e aumento para os alimentos saudáveis.

Existe uma briga do setor de alimentos para incluir o máximo de produtos possível e a gente entende que esses produtos têm que ser saudáveis e regionalizados. Produtos que de fato sejam consumidos pela população e não um produto que eles querem simplesmente deixar zerados.

Estamos atuando no combate à fome na ponta, realizando formação de lideranças e de agentes públicos na questão da segurança alimentar.

E, ainda, estamos fazendo uma única estrutura de bancos de alimentos no Brasil inteiro.

O POVO - As empresas estão mais ativas em questões sociais. Como que vê esse momento?

Kiko - Na minha compreensão, o ESG não veio para salvar o mundo. Ele veio para salvar o dinheiro dos investidores. Sei que é meio traumático essa minha visão, tanto é que o ESG está ligado a área de risco da empresa.

O que é o ESG no fim do dia? É um grupo de investidores que começou a olhar e falar que as ações estão caindo o tempo todo e o que, por exemplo, estão espancando um jovem negro aqui na entrada do supermercado e que estão derrubando uma barragem ali, não sei onde....

Aí essa imagem da empresa fica ruim e perde-se dinheiro. Então, na mentalidade das empresas, o que que é precisa fazer? Criar uma série de políticas de governança para que se possa primeiro evitar que esses problemas aconteçam onde elas impactam.

Hoje, se uma empresa que não tem diversidade de gênero ou raça é uma empresa mal vista. Assim, no sentido da necessidade, para proteger o seu patrimônio, elas se organizaram.

Esse conceito do que é o ESG para mim, de uma forma meio goela abaixo faz com que as empresas acabem adotando políticas internas super-importantes que aumentam a diversidade, questão de gênero e raça e a questão ambiental e uma série de coisas de governança e de transparência.

O POVO - O início de todo esse trabalho da Ação da Cidadania foi retratado recentemente na série televisiva "Betinho - No Fio da Navalha". A história do seu pai com o Betinho foi bem retratada?

Kiko - A série é uma coisa que, para mim, foi muito emocionante. Porque por mais que o Betinho não seja um parente de sangue, ele é minha família. Ele era bem tio, como irmão do meu pai sim. Eles eram amigos nesse nível de irmandade mesmo.

Tinha uma proximidade e ver aquilo retratado da forma que foi é um pouco o retrato da minha vida. Claro que tem uma dramatização ali, porque também tem a questão do tempo para contar toda a história dele. Ali é um resumo. E eu assisti a séria com a Maria (viúva do Betinho) e meus pais lá em Itatiaia.

A própria Maria diz que Betinho era uma figura muito além de nós. A série deixa claro no começo, a dor que ele tinha com o sofrimento da humanidade. Era muito maior do que qualquer outra coisa. Ele tinha um senso de urgência. Isso que o diferencia do resto.

Ele não tinha nenhuma visão de patrimônio, de riqueza, ele queria era fazer conseguir acabar com a fome. Ele acordava e dormia pensando nisso e se você não pensava assim era difícil conviver com ele.

O POVO - Pensa em livro ou documentário da história da sua família?

Kiko - Tenho muita vontade de contar a história dos meus pais, na verdade não deles especificamente, mas de muitos personagens incríveis de resistência e de luta e que precisam ser contadas.

O Brasil não pode esquecer essa história de jeito nenhum, porque duas pessoas, meu pai e o Betinho, dois exilados que saíram do Brasil quase assassinados e perseguidos, voltam e causa uma revolução no Brasil em várias frentes: de combate a fome, internet, combate à aids, cidadania, mobilização popular.

São muitas coisas e histórias que precisam ser contadas para as pessoas entenderem o drama que foi a Ditatura e a luta que foi dessas pessoas para que a gente pudesse voltar à democracia e reerguesse o país.

É um plano a médio prazo, já começamos a registrar para não se perder e esse ano queremos sentar para planejar a roteirização.

O POVO - Para finalizar, o Betinho emblematizou a frase "Quem tem fome tem pressa". Ela continua atual para você?

Kiko - Continua atualíssima. Acho que ela sistematiza muito e ela é uma fala muito profunda e que poucas pessoas têm a visão de quão profunda ela é.

Não é a educação, não é a saúde... Se essa pessoa está com fome, ela tem muito mais pressa porque ela precisa disso para conseguir acessar as outras coisas.

Pela frase, entendemos que as políticas públicas de oportunidade que emprego, renda, saúde e educação é o que vai tirar esse cara da fome em definitivo, mas enquanto isso não chega, e a nossa experiência diz o quanto isso demora a chegar, quem tem fome tem pressa.

Quando o Betinho cunhou essa frase junto com a dona Terezinha, ele foi muito criticado pelos movimentos de esquerda e que isso ia pelo olhar assistencial.

E Betinho respondia "Cara, eu entendo, mas vocês façam a sua parte de fazer as políticas mudarem logo que a gente aqui está fazendo elas (pessoas) sobreviverem até quando a política chegar".

No ritmo que está acontecendo, ninguém vai sobreviver para sua política nova que você está fazendo. Essa era a forma de expressar a necessidade da pressa para todos que estão envolvidos no combate à fome.

É preciso de fato entender que a fome tem pressa por diversos motivos, enquanto isso a gente luta pelo resto.

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