Havia muitas pessoas na cafeteria da Pinacoteca do Ceará naquele dia. Procuro homens de estatura mediana, cabelo grisalho e óculos de aro finíssimo, mas o filtro de busca é parco e me deparo com alguns. Surge, então, o jornalista e documentarista João Moreira Salles, recém-chegado ao Ceará. De passagem pela Capital por conta da terceira edição do Fotofestival Solar, o carioca aguardava o horário de sua mesa, “A política das imagens ou como narrar um país em luta”, acompanhado de Jorge Bodanzky e com mediação de Bete Jaguaribe.
A caminho da sala, João sorri ao passar pela exposição “Que país é este? A câmera de Jorge Bodanzky durante a ditadura brasileira, 1964-1985”, que integra a programação do festival em Fortaleza graças à parceria com o Instituto Moreira Salles (IMS). Fundado pelo banqueiro e diplomata Walther Moreira Salles, o IMS é uma organização sem fins lucrativos que arquiva e dissemina conhecimentos nas áreas da fotografia, música, cinema, literatura e iconografia. Atualmente, João é presidente do conselho do Instituto e tem sua trajetória marcada pela fundação da revista “Piauí”, que hoje é referência no jornalismo independente no País.
Filho de Walther Moreira Salles, João compõe, ao lado de seus três irmãos, família bilionária e reconhecida pela prática do mecenato no Brasil. Ao lado do irmão Walter Salles, fundou, em 1987, a produtora VideoFilmes, inicialmente voltada para a realização de documentários para a televisão, e que se tornou responsável por longas importantes no cenário cinematográfico, como “Central do Brasil” (1998) e “Ainda Estou Aqui” (2024).
Seu longa “Santiago” (2007), foi incluído no livro "100 Melhores Filmes Brasileiros de Todos os Tempos", organizado pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Em entrevista ao O POVO, realizada em 13 de dezembro, João revisita sua memória familiar, discorre sobre os caminhos democráticos desenhados no País e estabelece interseções entre sua vivência como documentarista e jornalista.
O POVO - Quando falo em sua infância, qual a primeira coisa que você lembra? Qual a primeira memória que lhe vem à mente?
João Moreira Salles - Cinza, cinza, cinza e um pouquinho mais de cinza. Em 1964, quando aconteceu o golpe, eu tinha dois anos e minha família foi morar na França. Então, nas minhas primeiras memórias de criança, até os 6 anos de idade, tudo era cinza – o céu, as casas, os carros, os parques. Vínhamos para o Brasil nas férias e tudo era muito colorido. Esse contraste entre a coisa muito cinza de lá e a coisa muito colorida daqui me marcou.
O POVO - Você é formado em economia pela Pontifícia Universidade Católica (PUC). Como enveredou para o cinema? Era seu plano?
João Moreira Salles - Não era meu plano. Por acaso, sou irmão de um cineasta. O Waltinho (Walter Salles) já vinha fazendo isso e, em determinado momento, foi para o Japão para experimentar uma câmera nova que estava sendo lançada pela Sony. Durante o período de um mês, ele gravou muita coisa bacana, diversas entrevistas. Ao retornar para o Brasil, ele tinha 40 horas de material que haviam sido filmadas sem um roteiro na cabeça. Naquele momento, eu tinha acabado de me formar e havia sido aceito em uma universidade americana para fazer um doutorado - iria enveredar pela vida acadêmica. Havia um intervalo de seis meses entre o final do semestre no Brasil e o início do semestre nos EUA. Nesse intervalo, ele me convidou para ajudá-lo a olhar o material e tentar construir cinco programas com o que tínhamos. Eu topei, foi ao ar, funcionou, e eu decidi não ir para os EUA. No fundo, não queria ir, não tinha uma vocação muito clara. Eu fazia aquilo que era mais fácil, e para mim a vida acadêmica era relativamente fácil, sempre fui bom aluno. Mas não era vocação, não vinha do coração. Logo em seguida, quando a série foi ao ar, o Walter foi convidado para fazer a mesma coisa na China. Fui nessa equipe, acabei dirigindo essa unidade, e meu primeiro trabalho foi formalmente esse. Desde então, nunca mais parei.
O POVO - Você acha que se não tivesse tido esse momento pontual, teria continuado na economia?
João Moreira Salles - Provavelmente. Não era uma vocação e, para falar a verdade, o cinema também não é uma vocação. Não é algo que, se eu não fizer, eu murcho e morro. Eu aprendi a gostar da tradição do documentário, comecei a dar aula sobre isso e se tornou algo que faço por prazer. Eu me comparo muito com o Waltinho. Ele é, de fato, um cineasta vocacionado. É o que orienta a vida dele, ele se orienta no mundo pelos filmes. Para mim, nunca teve essa centralidade.
O POVO - Em relação ao Walter, vocês tocam a produtora Videofilmes juntos. Como é essa relação entre os projetos artísticos um do outro? Se complementam, participam mutuamente?
João Moreira Salles - Existe uma certa divisão não formal, que nunca foi combinada, mas, de certa forma, ele cuida da ficção e eu do documentário, embora ele também faça documentário ocasionalmente.
O POVO - A Videofilmes produziu o filme “Madame Satã”, do Karim Aïnouz. Qual a sua ótica sobre o cinema cearense de hoje?
João Moreira Salles - Esse é um dos casos que exemplificam essa divisão. O Karim se aproximou da VideoFilmes por conta do Waltinho. "Madame Satã" foi produzido pela Vídeo, mas quem cuidou do processo de produção foi o Walter. Contudo, o cinema cearense, para mim, é basicamente o Karim. Não acho que seja muito informado e atualizado sobre isso, mas considero o cinema que ele faz um dos mais interessantes do Brasil. Ele faz cinema pelo mundo inteiro e tudo é muito bom. Mas tenho a impressão de que o Karim realmente se torna extraordinário quando filma aqui. Há algo enraizado na terra dele, ele entende a luz, a sociabilidade, a masculinidade cearense, a posição da mulher nessa sociedade. Ele compreende isso muito bem e, quando vem para cá e filma aqui, é sempre um deslumbramento.
O POVO- Como surgiu o projeto de fundar uma revista? E porque seu olhar foi direcionado ao Piauí à época?
João Moreira Salles - Uma das coisas que orientou minha visão de mundo foi o jornalismo, mais do que o cinema. Sempre foi um determinado tipo de jornalismo, o narrativo, que, por vezes, recebe o nome de jornalismo literário, o qual eu não gosto. Mas é o jornalismo de longo fôlego, que já foi praticado no Brasil, antes do meu tempo, na revista "Realidade" ou na "Senhor". Quando comecei a me interessar por isso, essas revistas já tinham desaparecido. E eu não conseguia imaginar em português um jornalismo que me interessasse. Só lia revistas em inglês. Então, decidi que cabia uma revista dessas no Brasil. Em 2006, criei a "Piauí", junto com Dorrit Harazim, Marcos Sá Corrêa e Mário Sérgio Conti. O Marcos Sá havia tocado o jornal no Brasil na década de 1980, na época de ouro, e disse algo que me marcou: quando a "Veja" tinha cem mil assinantes, tinha um correspondente em cada cidade com mais de cem mil habitantes, uma sucursal em cada capital do País e algumas sucursais fora do Brasil também. Na ocasião em que tivemos essa conversa, em 1999, a "Veja" tinha mais de um milhão de assinantes, uma sucursal no Rio e outra em Brasília, e nenhum correspondente em outra cidade. Isso significava que, no Brasil, notícia era o que passava por Rio de Janeiro, São Paulo ou Brasília. Se não estivesse nesse eixo, provavelmente não seria visto. Então, quando decidimos criar a revista, uma das nossas obrigações internas era não cobrir apenas Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília, mas sim cobrir o Brasil. E aí me veio a ideia do nome, porque, de todos os estados brasileiros, talvez o Piauí seja o menos conhecido, o que temos uma imagem mental menos clara.
O POVO - E aí o nome foi definido.
João Moreira Salles - A segunda razão é algo que li de Gilberto Freyre, no qual ele dizia que as línguas faladas em países frios são cheias de consoantes. São palavras que saem difíceis da boca, porque as consoantes são pontudas, saem como uma pedra. Já os idiomas solares, dos países tropicais, são cheios de vogais. E a vogal sai macia, gostosa, suave da boca. Piauí é uma palavra com uma consoante, e todo o resto é vogal. Achei bonita essa ideia de nomear uma revista brasileira com um nome coalhado de vogais, por conta dessa ideia de Gilberto. Depois, os linguistas vieram dizer que isso é uma bobagem imensa, que não se sustentava. Mas, de toda maneira, é uma ideia bonita, e eu gosto que seja uma palavra que saia gostosa da boca.
O POVO - Como acontece a concepção de uma capa da Piauí?
João Moreira Salles - É uma revista mensal, então é difícil corrermos atrás do noticiário do dia, pois nosso ciclo é mais longo. Durante muito tempo, as capas eram inteiramente frias, não diziam respeito sequer ao conteúdo que vinha dentro da revista. Isso mudou a partir do momento em que a política entrou em nossa vida para valer e começou a afetar o nosso dia a dia de outra forma. A política sempre esteve presente, mas houve um processo de aceleração, que eu enxergo por volta das jornadas de junho e do impeachment da Dilma. A partir dali, começamos a viver a política 24 horas por dia, e a polarização começou a se intensificar. Nesse momento, passamos a comentar o Brasil e o mundo na capa, que virou quase um conteúdo editorial. Ela reflete o que pensamos sobre as eleições municipais, a eleição do Trump, o fogo na Amazônia, as inundações no Rio Grande do Sul. O comentário quente acaba sendo feito na semana do fechamento, em uma conversa que tenho com o diretor de redação.
O POVO - Você tem uma capa preferida?
João Moreira Salles - Uma que gosto muito é a de junho deste ano. Publicamos uma matéria muito bacana sobre as enchentes, dois meses depois: como todas as livrarias, bibliotecas e editoras perderam seus acervos com as inundações. Mas isso demorou dois meses para ser apurado. Na semana das enchentes, demos uma capa que refletia: o que seria uma capa inundada? Nela, até o nome Piauí está boiando, configurando a primeira vez que alteramos o local onde a marca da revista aparece. Temos as letras boiando, espalhadas, e todas as manchetes flutuando em meio aos destroços. Essa é uma capa boa porque ela comenta o que está acontecendo "à quente". Geralmente, fazemos três opções de capas diferentes. Fechamos normalmente em uma quinta-feira e a capa chega na quinta pela manhã, quase nunca estando decidida.
O POVO - Você tem uma participação ativa ainda na revista. Quais os planos futuros?
João Moreira Salles - Eu não sou mais dono da "Piauí". Eu fundei e, durante 14 anos, se tivessem que apontar um dono, seria eu. Por volta de 2020, houve um movimento de constituição de um fundo patrimonial, feito de recursos doados à "Piauí". Hoje, ela vive da aplicação destes recursos e a "Piauí" é dona do seu próprio nariz. Isso não significa que não precisamos das vendas em banca, da publicidade e principalmente, dos assinantes. Mas esse fundo dá uma estabilidade e, principalmente, uma independência. Tenho uma relação histórica, uma cadeira e uma mesa lá, e sigo escrevendo uns três artigos por ano. Além disso, a revista tem um conselho do qual eu sou presidente. Ele é formado por sete jornalistas e eu tenho apenas um voto, que equivale ao dos outros. E cumprindo o meu mandato, eu indicarei alguém, que indicará alguém e assim a revista se tornará inteiramente autônoma em relação a quem a criou. Isso a torna um bem público. Um órgão de imprensa absolutamente livre que existe para fazer o que a imprensa faz de melhor: dizer as coisas que são incômodas.
O POVO - Você acredita e põe em prática o jornalismo independente. Você acha que ele tem sido bem executado no País, para além da "Piauí"?
João Moreira Salles - Eu não acho possível a existência de uma sociedade democrática sem jornalismo independente. Acho que, durante os anos Bolsonaro, a imprensa se comportou bem. Ela combateu o que precisava ser combatido e, de modo geral, foi uma força de resistência à calamidade que foi aquele governo. Tanto do ponto de vista democrático quanto do ponto de vista de combate à desinformação na época da pandemia. A prova disso é que Bolsonaro ameaçou diversos veículos, pois a imprensa era considerada por ele a inimiga do povo. Acho que esse é o melhor galardão que se pode desejar: quando se tem um autoritário, com pretensões a ditador, que te transforma em inimigo, significa que você está do lado certo da história.
O POVO - Como você enxerga o avanço dos tecnocratas no mundo de hoje?
João Moreira Salles - O que você entende como tecnocratas?
O POVO - Aqueles que governam por meio da tecnologia, a exemplo do Elon Musk. Como essas personalidades influenciam a produção jornalística diária no Brasil?
João Moreira Salles - Não sei se todos podem ser colocados na mesma caixa. O Musk possui uma agenda política, na qual ele derivou e se tornou um porta-voz da extrema-direita. Ele é perigoso, pois além do poder econômico, deterá muito poder político no novo governo americano, sem contar a posse do X (antigo twitter). Mas se não fosse o Musk, e fosse, por exemplo, alguém progressista, o resultado seria basicamente o mesmo. Porque está embutido nessas tecnologias o algoritmo da polarização. Todas elas funcionam por engajamento, e o que engaja hoje é a fúria e a polêmica. Isso te leva a ouvir sempre uma opinião parecida com a sua, te leva cada vez mais para o lado em que você já está, te afasta cada vez mais do meio-termo e destrói qualquer possibilidade de interseção e de um justo meio que as pessoas possam se encontrar. São máquinas de produzir o ruído e não o diálogo. E estamos fritos, pois independe de quem é o dono. Não estou dizendo nada de novo. Como sair dessa cilada? Não faço a menor ideia.
O POVO - Hoje as pessoas podem gravar e fotografar em qualquer lugar e momento. Na perspectiva de documentarista, como você avalia esse excesso de imagens? Existe, de fato, um excesso?
João Moreira Salles - Lembro-me de uma coisa que o documentarista Geraldo Sarno me disse. Ele filmava apenas em 16 milímetros, o que na década de 1960 era caríssimo. Ele dizia que cada imagem feita, era pensada e você não poderia se dar ao luxo de improvisar e acabar com o negativo. Quando surgem as tecnologias digitais, há uma proliferação e filmar se torna barato. Sempre vi muitos cortes em documentários daqueles que estão começando e o que percebo é que antes os cortes eram mais acertados, no qual as pessoas sabiam o que estavam filmando. Elas iam para o campo com uma ideia de filme. Depois de essa possibilidade de filmar sem custo, inverteu-se a lógica; eu filmo, depois penso e resolvo na ilha de edição. Porém, é muito difícil resolver na ilha de edição um material que não foi pensado previamente. Essa é uma resposta de documentarista. Uma resposta como jornalista seria: essa proliferação é boa, porque em qualquer lugar, um ato de violência pode ser flagrado e isso terá um valor. Acontecem coisas absurdas e ainda bem que existem pessoas filmando aquilo. Então, depende para quem você está fazendo essa pergunta. Há uma imensa virtude na possibilidade de filmar tudo. E é problemático a possibilidade de filmar tudo, dependendo do uso que você fará dessa imagem.
O POVO - O que uma cena, um momento ou um episódio precisa ter para suscitar a sua vontade de filmar aquilo? O que capta o seu olhar?
João Moreira Salles - Não é sobre a coisa em si, é a maneira de contar a coisa. É mais uma questão de forma que de conteúdo. Isso é algo que mudou no meu percurso: na largada, eu achava que documentário era assunto. Violência no Rio de Janeiro, queimadas na Amazônia, tudo isso eu achava digno de se filmar. Hoje, eu acho que o que é realmente político é mudar a maneira das pessoas enxergarem coisas que elas já viram muitas vezes. Quantas vezes já não vimos a imagem de uma floresta queimada, dos troncos caídos e o boi tentando sobreviver? Isso não mobiliza mais ninguém. O que me interessa é pensar novas maneiras de contar, ato que eu acho extraordinariamente político. E no jornalismo, é o mesmo preceito. Quando a "Piauí" foi criada e ainda hoje, ela mantém essa premissa de contar as histórias de forma diferente. É claro que queremos dar furo, é claro que queremos revelar o que o poder tem a esconder, mas uma reportagem bem sucedida, a meu ver, é aquela sobre um assunto que me interessa muito pouco, mas que vou até o final, porque a maneira que o repórter contou a história, fez com que eu fosse seduzido pelo tema.
O POVO - Em “Santiago” (2007) você apresenta uma perspectiva particular sobre o mordomo da sua família. Você sempre teve esse olhar? A partir de que acontecimento ele surgiu?
João Moreira Salles - Eu filmei "Santiago" e não consegui montar o filme. Parei durante 13 anos. Quando voltei, algumas coisas que antes eram puramente abstratas, como a consciência de que as coisas têm o fim, só começaram a existir de forma palpável em mim depois dos 40. A mortalidade começou a correr pelo corpo e a forma que o tempo corre se tornou um dos temas do filme. Eu não tinha como entender isso antes. E remeto a questão do pensar o documentário como forma. Quando gravei, isso não era uma questão. O que eu não me dei conta, à época, é que não era um filme sobre ele. Era um filme sobre a nossa relação. E nessa relação havia, sem dúvida nenhuma, carinho, afeto, admiração, mas havia também poder. Havia uma questão de classe, havia o filho do patrão falando com o empregado. Estava falando da minha família, e dessa relação que é complexa, e do Brasil. E se o filme tivesse que ser sincero, em tentar dizer alguma verdade, eu não poderia omitir isso que era tão essencial ao material bruto. Depois, ao fazer “No intenso agora” (2017), me dei conta de que nunca sabemos direito o que estamos filmando. Achamos que estamos filmando uma coisa e depois nos damos conta de que estávamos filmando outra. Tornou-se importante ter um certo intervalo de tempo entre o que eu faço e como eu lido com aquilo que fiz. Essa distância de tempo para pensar foi o que permitiu que o filme existisse.
O POVO - Em relação a “Ainda estou aqui” (2024), como você credita um sucesso tão grande a um filme que trata sobre a ditadura, em um país em que muita gente ainda não acredita no regime?
João Moreira Salles - Quase três milhões de pessoas agora acreditam. É muita gente. O filme é lindo por si só. Mas ele faz algo muito comovente, que é tratar da ditadura na dimensão do espaço privado, da família. É a ditadura vivida na cozinha, na sala de jantar, nos corredores da casa, no quarto do filho. Não é no porão da ditadura, não é no general mal-humorado, não é na violência explícita. Mas mostra como um regime desses destrói uma família. Uma família burguesa, que não era envolvida em nada a não ser na decência. E um regime indecente destrói a decência. Acredito ser muito difícil o pessoal da extrema-direita atacar o filme porque ele lida com uma coisa que eles se dizem defensores: a família. Como você vai atacar o filme se o que ele mostra é a destruição da alegria de uma família? De uma família clássica, heterossexual, ortodoxa no sentido do casamento católico, pai ótimo, mãe excelente. Isso muda até quando um regime indecente se instala, penetra por debaixo da porta, desaparece com um excelente pai e a família se desmancha. Não se destrói porque a força de Eunice mantém o núcleo familiar vivo, mas se destrói no sentido do que era. Mas existe uma ausência monumental em cada cômodo. E existiu um timing, do filme estrear no momento em que se revelou a trama golpista. Da qual a gente já sabia, mas que se manifestou com toda clareza na semana em que o filme estreou. Acho que tudo isso contribui para que o filme seja o sucesso merecido que é.
Longe das telas
"Eu vou ser a última pessoa que vocês conhecem que não usa celular", disse João após a entrevista. O documentarista nunca possuiu aparelho celular e se comunica exclusivamente por e-mail.
Para preservar, compreender
Em agosto de 2019, João deu início a uma estadia de seis meses na Amazônia, que resultou numa série de reportagens para a Piauí. A expedição deu origem ao livro "Arrabalde: Em busca da Amazônia", publicado pela Companhia das Letras em 2022. Segundo o jornalista, o material evidencia como é fácil devastar aquilo que não se compreende e que nunca se tentou compreender ao longo da história do País.
Quantos são na redação?
APÓS a entrevista, ao tirar algumas fotos finais, João inverteu os papéis. Demonstrando curiosidade, fez uma série de perguntas sobre a estrutura da redação do O POVO - quantos repórteres havia, quem comandava a direção da redação e como as tarefas eram divididas.