A escalada do embate entre o bilionário Elon Musk, dono do X (antigo Twitter), e o Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro agora também alcança o cenário politicamente polarizado do Congresso americano. A ala republicana da Comissão de Justiça da Câmara dos Representantes dos EUA divulgou nesta quarta-feira, 17, um relatório em que aponta "censura do governo brasileiro" à plataforma de Musk e a outras redes sociais, como Facebook e Instagram. O documento inclui 88 decisões da mais elevada Corte do País e do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinando a retirada de perfis das plataformas. Muitas delas foram tomadas pelo ministro Alexandre de Moraes em processos que tramitam sob sigilo no Supremo.
De acordo com o STF, os documentos divulgados pelos deputados dos EUA não contêm os argumentos das decisões que determinaram a retirada de conteúdos ou perfis. Trata-se dos ofícios enviados às plataformas para cumprimento das determinações. "Todas as decisões tomadas pelo STF são fundamentadas, como prevê a Constituição, e as partes, as pessoas afetadas, têm acesso à fundamentação."
Desde o começo de abril, Elon Musk faz críticas a Alexandre de Moraes, ao afirmar que a X Corp afirmou que foi "forçada" por decisões judiciais a bloquear contas no Brasil. O bilionário ameaçou descumprir ordens judiciais e vazar informações dos autos.
Em resposta, o ministro incluiu o empresário como investigado no inquérito das milícias digitais por "dolosa instrumentalização" do X. O bilionário reagiu, chamando Moraes de "ditador" e afirmando que ele teria o presidente Luiz Inácio Lula da Silva "na coleira".
O reflexo no Congresso brasileiro foi imediato. Além de alimentar a artilharia contra o Supremo entre os parlamentares aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), o caso reativou a discussão sobre a necessidade de regulamentação das redes sociais.
Na prática, o efeito foi a volta à estaca zero da tramitação do Projeto de Lei das Fake News. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e os líderes partidários da Casa decidiram criar um grupo de trabalho para discutir fake news e regulação das redes sociais, mas sem o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) na relatoria.
No Congresso americano, de acordo com comunicado de imprensa divulgado pelo grupo trumpista, o relatório inclui "cópias de 28 decisões em inglês e português exaradas pelo ministro Alexandre de Moraes e destinadas à X Corp"; outras 23 decisões de Moraes "para as quais a X Corp não possui uma tradução em inglês"; e, ainda, 37 decisões do TSE.
Segundo os deputados do Partido Republicano, o relatório "expõe a campanha de censura do Brasil e apresenta um estudo de caso surpreendente de como um governo pode justificar a censura em nome do combate ao chamado 'discurso de ódio' e à 'subversão da 'ordem'".
Alguns dos perfis derrubados por ordem de Moraes já são conhecidos. É o caso de perfis ligados ao empresário Luciano Hang, das lojas Havan; dos blogueiros Allan dos Santos e Oswaldo Eustáquio; do ex-deputado federal cassado Daniel Silveira; do youtuber Monark; além do ex-deputado federal Roberto Jefferson.
Nestes casos, a acusação é a de que eles teriam divulgado versões falsas sobre fraudes nas urnas, promovido ataques contra o STF e defendido até mesmo a edição de um novo AI-5, instrumento de supressão de garantias individuais utilizado durante a ditadura militar — esta atribuída a Silveira.
Ontem, Musk voltou à carga e disse que "a lei quebrou a lei" ao compartilhar uma publicação que critica a atuação do ministro do Supremo.
As decisões de Moraes pela desativação das contas foram tomadas ao longo dos últimos quatro anos no âmbito das investigações sobre milícias digitais e no chamado inquérito das fake news, que apura ações orquestradas nas redes sociais para disseminar informações falsas e discurso de ódio, com o objetivo de minar as instituições e a democracia.
Um dos poucos casos em que Moraes apresentou no despacho os argumentos que o levaram a remover determinadas contas das redes sociais foi em relação ao perfil da "Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil" no X. O pedido para que a página fosse retirada do ar partiu da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), sob o argumento de que os seus administradoress empreenderam "verdadeiro tumulto contra a democracia brasileira, por intermédio dos seus perfis nas redes sociais".
Moraes acatou os argumentos da OAB e alegou que as publicações feitas pela Ordem dos Advogados Conservadores do Brasil ocorreram no contexto de atos antidemocráticos que visavam dar um golpe de Estado após a derrotada de Bolsonaro na eleição presidencial de 2022.