Palmeirense e com formação nos cursos de Antropologia e Ciências Humanas pela Unilab, Samuel de Araújo Mateus, 26 anos, encontrou nas redes sociais o meio para compartilhar reflexões acerca do racismo e discriminação, por exemplo.
Nascido em Riacho Doce, na zona periférica de Fortaleza, o rapaz, “violentamente pacífico, verídico”, acumula 122 mil seguidores no Instagram. Ele utiliza as plataformas digitais para sugerir “caminhos alternativos” no que tange às experiências sociais dos indivíduos.
O POVO - Como iniciou sua trajetória acadêmica?
Samuel Mateus - Minha trajetória junto à vida se iniciou no mundo do trabalho. Desde os nove anos de idade, que foi quando comecei a trabalhar. Já trabalhei em muitas coisas, inclusive em borracharia, pizzaria, como chapeiro, garçom, intérprete de libras, professor, então o mundo do trabalho me acompanha desde criança. Importante ressaltar isso para não acharem que sou só um academicista. Minha mãe é uma mulher negra, que não é do Ceará, ela veio do Rio Grande do Norte, fugindo de um período de seca. Chegou aqui pra trabalhar em casa de família e pouco depois conheceu meu pai e engravidou da gente, eu e minha irmã gêmea. Meu pai tem uma trajetória de problemas com dependência química e depois minha mãe se separou e cuidou da gente sozinha, aquela trajetória de mulheres negras que é uma marca na sociedade brasileira.
OP - E você acredita que isso serviu de inspiração para você?
Samuel - Não, de forma alguma, desgraça nenhuma pode servir de incentivo, tristeza nenhuma pode ser um incentivo. O fato é que, problemas como esse não deveriam ser problemas endêmicos, nós já deveríamos ter superado determinadas questões como o abandono paternal, como a desistência do projeto familiar, facilmente reproduzida por homens. Problemas como esse já deveriam ter sido superados mas não foram e atravessaram a trajetória de muitas pessoas, como a minha, por exemplo, mas não como um estímulo. Porém nada absurdo que me impossibilitasse de agenciar as minhas necessidades, falar, caminhar, agir e entender.
OP - De onde veio o interesse pela antropologia?
Samuel - O curso de antropologia eu iniciei quando conheci algumas obras de alguns autores, como Malinowski, autor de Argonautas do Pacífico Ocidental, e me fascinei pelo método etnográfico, que é uma das principais fontes de análise da antropologia. Quando terminei a minha primeira graduação — tenho graduação em humanidades — escolhi a segunda graduação, que foi antropologia. A minha primeira opção de curso foi economia, mas quando conheci a grade de economia da Universidade Federal do Ceará (UFC), eu não consegui encontrar uma aproximação com o que de fato são as ciências econômicas, que inicialmente seria a economia política. Eu não quis fazer e posteriormente conheci a antropologia e decidi cursar o bacharelado.
OP - Você trata de assuntos delicados com muita naturalidade, mas afinal, qual o objetivo dessas discussões?
Samuel - Os objetivos das reflexões são, de alguma maneira, sugerir um caminho alternativo, expandir algumas noções que são simplificadas para que acessem determinadas subjetividades sem fomentar uma reflexão profunda, densa, sobre o que é a experiência social. Sentre as contribuições da antropologia, como uma ciência do particular, o reconhecimento de fato social e das significações produzidas pelo viver em sociedade passam pelo reconhecimento de como a experiência é complexa, plural, densa e diversa. Os vídeos são convites à reflexão.
OP - Quando você decidiu levar os debates para o meio digital, sofreu crítica ou preconceito?
Samuel - Críticas quanto à estética são as principais; a parede sem reboco, o movimento da boca, a iluminação, a entonação da voz, a tonalidade da luz, mas, de maneira geral, os comentários dos vídeos são sempre um espaço de tensão e de disputa de conceituação. Há embates nos comentários entre a concordância e a discordância, todos são bem-vindos, eu acho que é um espaço convidativo. Ao discordar, eu acho importante que haja um discordar que seja razoável. Críticas nesse aspecto eu não consigo compreender como coisas negativas.
OP - Que autores(as) lhe inspiraram?
Samuel - Uma autora, Veena Das, antropóloga, assim como eu, que estuda a violência, que estuda as formas do saber produzidas por lugares de tensão, estuda conflitos e procura, a partir do particular, da trajetória, da narrativa e da memória, acessar experiências e produzir análises e postulação acerca da experiência. Mas tem outros autores que admiro também, Bell Hooks, Ailton Krenak, Silvio Almeida, Biu Chun Han.